segunda-feira, março 6

A importância de qualificar o que é menos visível na cidade

Steve Jobs, o criador da Apple, tornou-se um ícone do nosso admirável mundo novo por muitas razões mas uma foi determinante: ele acreditava que um produto para ser relevante teria de ter um bom design, quer no seu exterior quer no seu interior, do hardware ao software. Por isso os produtos por si criados tornaram-se objeto de culto e geraram uma legião de consumidores por todo o mundo.

Podemos afirmar que a qualidade de um produto só perdura no tempo quando o que é mais e o que é menos visível conseguem proporcionar um desempenho equivalente. Quando tratamos só da parte mais visível, algures no tempo, o que é menos visível acaba por vir à superfície desqualificando a apreciação global.

Tal como um computador, uma cidade é constituída por muitos componentes, uns visíveis outros menos. A todos se deve dar a mesma atenção para conseguir atingir a qualidade. Quando assim não acontece algo acaba por correr mal.

Vem esta observação a propósito de uma visita realizada à Azinhaga dos Espanhóis (entre a Rua Camilo Castelo Branco e as traseiras da D. João II, perto do Hospital de S. Bernardo) onde tivemos a oportunidade de ver e ouvir um conjunto de queixas apresentadas sobre o abandono a que está votado aquele interior de quarteirão (casas em ruina, ausência de arruamentos e arranjos urbanos, deficiente higiene e limpeza, concentração de animais em condições desadequadas, etc.). Fomos transportados para um cenário de terceiro mundo que pensávamos já não existir em Setúbal.

Mas infelizmente este está longe de ser caso único. Vários são os “interiores” de quarteirão, que se arrastam numa condição equivalente há décadas, não sendo sequer exclusivo da Freguesia de S. Sebastião. Qualquer um de nós pode encontrar exemplos equivalentes em todas as outras freguesias de Setúbal.

Apesar de ser consensual que Setúbal melhorou a imagem urbana esta tem-se concentrado nos principais eixos viários e nos espaços e edifícios públicos de maior centralidade e visibilidade (por vezes excessivamente) deixando as zonas menos visíveis sem resolução de fundo e votadas ao abandono.

Melhorar só o que é visível pode deixar, numa primeira fase, a maioria das pessoas satisfeitas. Todos os cidadãos desejam ter acesso à qualidade. Contudo,  a desilusão é inevitável quando, por contraste, se verifica que zonas desqualificadas se mantêm. O grau de exigência aumenta quando se eleva a qualidade, tornando mais evidente a sua ausência.


Jobs continua por isso a ter razão. Não dar atenção ao que está menos visível vai, a prazo, ajudar a desqualificar a apreciação global do produto, mesmo quando o produto é uma cidade.