Texto parcialmente publicado na versão de 3.Set.2011 do «Sem Mais» parte integrante do Expresso no Distrito de Setúbal
O caderno de encargos pedia uma análise comparativa entre 2001 e 2011, relativamente à região de Setúbal de alguns dos resultados tornados públicos pelo último Censos. Particularmente no que dizia respeito à evolução do edificado e consequente reflexo no número de alojamentos e á relação entre estes dois factores e a demografia registada nesta última década. Mas este tipo de abordagem quantitativa exige um esforço maior para tentar ver para além dos números. Esse era o nosso maior desafio. Não nos interessa aqui apenas ver os números, que poderão consultar nas tabelas, mas entender o que estes nos podem trazer como expressões concretas da realidade territorial observada.
Convém, no entanto, fazer algumas precisões prévias: Uma, relativa aos factores territoriais e outra, relativa aos aspectos que pretendemos salientar dos dados disponibilizados.
A nossa divisão Administrativa é um pouco confusa por isso convém referir que vamos aqui tratar do distrito de Setúbal, que está dividido em termos estatiscos (NUT III) na sub-região da Península de Setúbal e do Alentejo Litoral, onde só fica de fora Odemira (que não pertence ao distrito). Mas que, como veremos adiante, não é só uma divisão estatística. Existe também uma separação de dinâmicas territoriais que se têm vindo a consolidar nas últimas décadas e que estes últimos dados só vêm reforçar. Mas dentro desta grande unidade vamos comparar os concelhos, sem ir ao nível das freguesias.
Os números de habitantes, de famílias, de alojamentos e de edifícios são os dados que temos disponíveis. A partir destes outras interpretações podem ser retiradas. E essas estão contidas nas reflexões enumeradas de seguida.
A construção de novos edifícios continuou, de alguma forma, a tendência registada na década anterior. Verifica-se a consolidação do Arco Ribeirinho Sul de Lisboa, com particular destaque para as zonas beneficiadas pela abertura da nova ponte sobre o Tejo (Vasco da Gama) e de uma nova frente imobiliária no Litoral Alentejano de vocação turística ou de segunda habitação. Assim do ponto de vista do edificado podemos verificar que existiu uma maior taxa de variação (cerca de 30%) nos concelhos de Alcochete, Sesimbra e Grândola. Tendo aumentado significativamente o número de edifícios em toda a margem sul do Tejo, com excepção do Barreiro e Moita. Todo o litoral Alentejano do distrito de Setúbal também registou um aumento. Mas podemos constatar que Almada, apresenta um crescimento de edificado mais moderado que os concelhos mais dinâmicos seus parceiros na margem sul.
Na evolução do alojamento podemos perceber que as tendências se mantêm sendo neste caso Alcochete e Montijo os que maior oferta de novos alojamentos apresentam no norte do distrito e Grândola e Sines no Litoral Alentejano. Santiago do Cacém, a sul, o Barreiro e a Moita, a norte, reflectem uma tendência de crescimento moderado, fruto de ausência de costa, no primeiro caso e de ausência de uma via de comunicação rodoviária à capital, no segundo. Apesar de nestes últimos, a reestruturação do tecido empresarial efectuada a partir da década de 80 e a dificuldade de regeneração urbana e ambiental associada, os tenham afectado particularmente.
A variação do número de alojamentos por edifício dá-nos a visão clara do tipo de ocupação que se tem verificado no distrito. A nossa percepção ia nesse sentido mas os números não dão margem para enganos. Globalmente o distrito de Setúbal teve uma variação negativa (-1,7%) o que permite dizer que o tipo de edifícios tem menor número de alojamentos ou seja, foram construídas mais moradias unifamiliares do que prédios plurifamiliares na generalidade dos concelhos. Isto significa mais dispersão territorial e infraestrutura associada. Mais custos para o erário público e para os particulares. No primeiro caso mais estradas, redes de água e saneamento assim como equipamentos públicos com menores escala (mais onerosos de manter). No segundo, mais custos para os particulares, pois não se consegue dar uma passo sem ser de automóvel, o que torna a vida mais difícil e dispendiosa para as famílias. Este efeito “moradia” sentiu-se ainda mais na Península de Setúbal (-2,2%) que no Litoral Alentejano (0,3) que teve uma variação positiva. O que reflecte uma procura mais intensa desta tipologia habitacional nos concelhos mais urbanizados do norte do distrito. Mas entre estes últimos, também as variações não foram uniformes, sendo a tendência a mesma: os concelhos com maior taxa de urbanização tiveram a variação mais negativa como por exemplo Almada (-4,9) ou Setúbal (-2,9). Tendo Alcochete (10,7) e o Montijo (15,1) a variação mais positiva, o que significa uma consolidação do tecido urbano com edifícios de habitação colectiva.
O crescimento populacional acompanha na Península de Setúbal a tendência aí registada no crescimento da oferta de alojamentos. O mesmo não se pode dizer no Litoral Alentejano onde todos os concelhos perdem população à excepção de Sines que tem uma variação positiva (5,0%). Mas o distrito, no seu todo, apresenta uma variação populacional positiva (7,8%).
No entanto, se compararmos a evolução da população com o número de habitantes, nesta última década, não podemos deixar de ficar surpreendidos. O número de habitantes no distrito de Setúbal entre, 2001 e 2011, variou em mais 61383 e o número de alojamentos em mais 66136, ou seja, foram construídos mais 4780 novos alojamentos do que o número de novos habitantes no distrito. Mesmo tendo a consciência que a família diminuiu, em média, de 2,71 para 2,48 no distrito, dificilmente podemos explicar por esta via a diferença registada. E se no Litoral Alentejano o fenómeno da segunda habitação e do turismo ajuda a explicar este crescimento, na Península de Setúbal, não conseguimos encontrar qualquer racionalidade.
Podemos perceber que apesar de nos encontrarmos em crise desde 2001, a última década, continuou a registar um crescimento significativo de novos edifícios no distrito e consequentemente de alojamentos, acompanhando, de resto, o país. Assim, apesar de algum abrandamento na construção desde 2001, parece ter sido só depois da crise de 2008 que verdadeiramente este tipo de crescimento terá efectivamente estagnado. Só aí o crédito bancário foi fortemente condicionado ou deixou mesmo de existir. E como talvez se venha a perceber no futuro foram efectivamente os mecanismos de facilitação do acesso generalizado ao crédito que permitiram, pelo que se percebe até há bem pouco tempo, o tipo de crescimento registado. Ou seja, este mecanismo, conjuntamente com o financiamento das autarquias locais e um conjunto de constrangimentos ao nível da recuperação do edificado existente, fomentou o tipo de ordenamento territorial registado nas últimas décadas.
Em síntese, temos um crescimento populacional do distrito essencialmente em torno do Arco Ribeirinho Sul, com particular significado o eixo dinamizado pelo novo corredor aberto pela nova ponte sobre o Tejo, desde Alcochete/Montijo e que se estende por Palmela (Pinhal Novo) até Setúbal, e do lado poente, o crescimento deu-se mais expressivamente no concelho de Sesimbra, estando praticamente estagnado na sua zona central (Barreiro Moita). Esta dinâmica demográfica acompanha a nova oferta habitacional.
A sul do distrito duas realidades distintas coexistem. A da costa Alentejana, que aumenta significativamente a oferta de alojamento, mas onde só Sines consegue fixar novos residentes e a do interior que continua a registar perdas significativas de população sem alterações no edificado.
Estas tendências anunciam a consolidação da Área Metropolitana de Lisboa a Sul, assumindo a Costa Alentejana, uma nova faceta de turismo, essencialmente de segunda habitação apostada na proximidade à grande metrópole. Só Sines parece consolidar uma vocação mais portuária e industrial capaz de se tornar conjuntamente com Setúbal, a norte, nos pólos fornecedores de comércio e serviços do Alentejo Litoral.
Por último, é bom registar algumas notas sobre as quais vale a pena reflectir. Nesta última década, tendência que já vinha da anterior, o crescimento de alojamentos foi superior ao do número de habitantes no distrito de Setúbal, o que não foi muito diferente do resto do país.
Esta realidade irá acarretar alguns custos, um dos quais a desvalorização do património, especialmente das periferias urbanas mais desqualificadas e menos equipadas. Deste ponto de vista construir habitação no futuro sem garantir um conjunto de bens e serviços essenciais na proximidade, entre os quais se contam os transportes públicos, deverá ser impedido, se não do ponto de vista legal, pelo menos do ponto de vista do consumidor informado, não comprando aí a sua casa. A habitação deverá por isso deixar de ser encarada como “produto”. A localização é um factor mais importante que o número de divisões, a tipologia ou os acabamentos. A localização vai tender a ser essencial, especialmente pelo custo acrescido das deslocações por força do aumento dos combustíveis.
Mas, por outro lado, esta realidade pode trazer uma nova esperança à requalificação das cidades existentes pois a expansão urbana parece ter tido, nesta década que findou, o seu último fôlego. Concentrando recursos, vontades e políticas que incentivem a regeneração urbana, permitindo, entre outras coisas, uma vida menos dependente do automóvel, é possível mudar a anterior tendência.
Assim, numa zona como o distrito de Setúbal e com este legado, a necessidade será a de não continuar a repetir os mesmos erros, corrigindo e melhorando o existente e, eventualmente, deixando cair alguns projectos de expansão insustentável que não ajudarão ninguém a viver melhor. As vantagens de viver numa região rica e com acesso fácil a um conjunto de valências proporcionadas pela integração metropolitana crescente, assim como a um conjunto de zonas de grande qualidade ambiental, poderão e deverão ser a aposta futura.
Paulo Pisco
Arquitecto/Urbanista
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