quinta-feira, outubro 24

Manuel Medeiros


homenagem a mais um dos melhores de Setúbal.

Conhecemos Manuel Medeiros (MM) ainda uma criança, como pensamos que aconteceu a muitos de nós, nascidos ou criados nesta terra. Como muitos de nós, Medeiros não nasceu em Setúbal, mas tomou-a como sua. Tendo-se radicado nesta cidade em idade adulta e madura ele e sua esposa, companheira de sempre (um grande abraço à Fátima) aqui criaram os seus filhos (da nossa geração) e a Culsete. Entre livros viveu e aos livros dedicou toda a sua vida e energia. Foi com certeza o seu mais ilustre divulgador nesta cidade e também um dos que mais os amou.


Conhecemo-lo pessoalmente quando ainda aluno do Liceu (Escola Secundária do Bocage) nos demos em organizar, conjuntamente com os meus grandes amigos João Manuel Pereira e Nuno Luís, a "Semana do Teatro". Organizamos vários acontecimentos, juntando autores, atores e atrizes, encenadores, vendo peças e como não podia deixar de ser ... mostrar livros escritos e adotados para teatro... e quem mais podia em Setúbal, nessa época, ou em qualquer outra, dispor-se a fazer uma feira do livro numa escola secundária especificamente sobre o texto dramaturgo, organizado por um bando de miúdos, ainda que apoiados, a uma certa distância, por dois ou três professores? O Manuel Medeiros claro está. Se não nos atraiçoa a memória isto correu em 1986, tínhamos nós 15 ou 16 anos. Este Senhor, como então lhe chamávamos e como sempre o vimos, recebe-nos na sua Culsete...ouviu-nos e resolveu levar esta empreitada  adiante...connosco. Só ele. Outros encontros tivemos...mas deste resultou um respeito mútuo (pelo menos assim o sentimos) que não mais se quebrou. 

Desta primeira aventura conjunta resultaram vários encontros e destes uma lição que não mais esquecemos. Das muitas conversas que tivemos para organizar o evento - o MM era um conversador incansável como sabem - falámos de um livro de que ambos gostávamos muito: o "Principezinho" de Antoine de Saint-Exupéry. Defendemos  então que, mesmo quem não tivesse tido acesso ao livro na infância em qualquer altura poderia ler e apreciar esta obra. Mas MM, na sua imensa sabedoria, discordou. Chamando-nos a atenção para algo que, de tão evidente, muitas vezes nos esquecemos. "Mas Paulo o "Principezinho" pode ser lido e apreciado qualquer idade é verdade...mas nunca poderá ser lido por estes com os olhos de criança". Uma evidência que registei para a vida.

Obrigado Sr. Medeiros. Valeu muito a pena
...até sempre... 

(tivemos a felicidade de o rever pessoalmente recentemente na Casa da Cultura a propósito do 40 anos da sua Culsete).


2 comentários:

Anónimo disse...

Que evocação tão sentida! Recordo que foi por conselho do Senhor Medeiros que, pela primeira vez, aos cinco anos, comprei um livro, sózinho (ainda o guardo; chamava-se "O burrinho Picotim" - nesse dia percebi por que deveríamos proteger os burros, os verdadeiros e não os outros!). Foi o primeiro de muitos conselhos, os quais eram sempre acompanhados por uma contextualização tão rica como a própria obra. Certa vez aconselhou-me a ler um livro de Henry James, "A volta no parafuso", um clássico quase caído no esquecimento, evitado no meu caso por culpa da vivacidade do Senhor Medeiros. Este ano decidi ler, e li, mais alguns livros do mesmo autor, de que me falou nesse intróito, aos quinze, dezasseis anos: "Os manuscritos de Aspern", "O mentiroso", "Os Europeus", "Retrato de uma senhora"... É a minha forma de homenagem a quem me disse "lê a obra toda de um grande autor e perceberás a sua grandeza!" Tal como a sua, Senhor Medeiros! Obrigado, Paulo, por esta evocação.
Nuno Castro Luís.

paulo pisco disse...

Eu é que agradeço, a ti e à memória que muitos temos de M Medeiros e que nos faz revelar o melhor de nós. Porque é assim entre quem genuinamente partilha o que gosta. E como tantos fomos,cada um à sua maneira, contagiados pelo seu gosto pela leitura.