domingo, junho 18

Dia dos “Milagres”


Eles acontecem todos os dias.
Hoje, 17:00- telemóvel toca. Era o meu tio Jacinto Pisco, um dos irmãos mais novos do meu pai. 1 de 12. Ainda estão 9 vivos.
Tio - Paulinho é o tio estou em Setúbal, no Lidl, está tudo bem?
Eu - Tio, qual Lidl?
Tio - Não sei, vou perguntar… S Julião.
Eu- Isso é ao lado da minha casa… vou já aí ter…
Não via o meu tio há uns anos. Teve um AVC há algum tempo e ainda não o tinha visto, desde então. Sobreviveu com algumas sequelas. De vez em quando falamos ao telefone. Ele é o ligante da família. Vai telefonando a uns e a outros. Mantendo a família informada.
Já é a segunda vez que me faz esta surpresa. Há uns anos, da mesma forma inesperada telefonou a dizer que estava em Setúbal. “Queres vir ter com o tio?”. Eu larguei tudo e fui. Tinha vindo, tal como hoje, fazer a entrega de comida a um pessoa necessitada, trazia um amigo com ele e os dois, ligados à Rádio Amália, fazem com esta Rádio solidariedade.
Este meu tio é ele próprio um milagre. Ora vejamos, assinalando só três episódios da sua vida.
#1 - É gémeo com uma irmã (Tia Teresa), os penúltimos da linhagem. Quando nasceu já a minha avó, com cerca de 1,45m de altura, tinha tido 11 filhos ( chegaram 12 à idade adulta). Mas nunca gémeos.
#2 - É herói de guerra medalhado. Foi voluntário para a tropa (por admiração ao meu pai o seu irmão homem mais velho, que era, à época militar de carreira) e acabou na guerra do ultramar, em Moçambique. No “mato” foi alvo de uma emboscada com um rebentamento de mina que matou um dos colegas tendo o outro ficado gravemente ferido. Ele com estilhaços pelo corpo todo, perdeu metade de uma orelha. Sem comunicação, não foi capaz de deixar o colega ferido para trás, tendo-o transportado às costas até à sua unidade. A uns largos kms de distância. Debaixo de sol. Depois de largar o colega em segurança ainda foi de helicóptero identificar o lugar onde tinha acontecido o incidente. Só depois foi hospitalizado.
#3 - É dador de Sangue. Voltou da guerra casou e foi para Angola, onde estava o meu pai, e teve dois filhos. Apanhou aí o 25 de Abril e com isso a descolonização. Teve de fugir às ameaças sobre os “colonos” brancos, com a mulher e os filhos. Pelo mato até à África do Sul. Este, em si, já podia ser um milagre. Mas não é deste que vos quero falar.
Retornado a Portugal trouxe, para além de uma medalha, ferimentos de guerra, a família e o hábito de beber. Muito. De tal forma que quando eu era pequeno o meu tio Jacinto era o “bêbado” da família. E é bom de se saber que na família Pisco os homens tinham o hábito de beber bastante. Trabalhou sempre, criou os filhos, manteve a mulher e foi dador de sangue. Sabia desde o dia da mina que o sangue nos hospitais fazia a diferença.
Um dia ao ir dar sangue, disseram-lhe que não valia a pena voltar a dar mais. Álcool detetado no sangue tornava-o não utilizável.
Desde esse dia o meu Tio Jacinto Pisco tornou-se um homem sóbrio. O milagre que é a sua generosidade resgatou-o da condição de álcoolico.
Talvez, este meu Tio também me tenha ajudado a acreditar em milagres.
O facto de o meu Tio me ter telefonado hoje, neste dia, foi apenas mais um dos milagres que me estão a acontecer. E em que eu teimo em acreditar.
Obrigado Tio Jacinto Pisco.


Publicado originalmente no Facebook:  no dia 08/06/2023

https://www.facebook.com/paulo.pereira.pisco/posts/pfbid0rSbED895njc7YVvwRETSRJKaPir6mnu97oXxVjcWL5pvvuuhkbQpsr6bWG3pns3Rl

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