quarta-feira, abril 19

A escola como factor organizador do Espaço Urbano - Parte 2

Capa da Revista Arquitectura e Vida (Abril) onde este texto foi publicado. Reproduzido na integra apenas sem as imagens que acompanham o artigo original.

Tendências actuais

Após termos explicado a evolução urbana da escola no contexto das capitais de distrito, vamos, nesta segunda parte, abordar as tendências actuais ao nível do desempenho urbano e escolar das cidades em análise.

Texto de Paulo Pisco –Arquitecto *

Desempenho Escolar versus Desempenho Urbano – Tendências actuais nas Capitais de Distrito.
A introdução de uma visão “empresarial” e de gestão que pretende a “adopção de estruturas e práticas idênticas às do sector empresarial, tidas como mais maleáveis e com maior capacidade de adaptação à mudança”[1] é uma tendência incontornável nos últimos anos a todos os níveis da administração e dos serviços públicos. A avaliação de um sistema mede o seu desempenho. Seja esse sistema uma cidade ou uma escola. A qualidade do serviço prestado é atingida estabelecendo-se uma missão estratégica, com objectivos operacionais, onde os indicadores de desempenho passam a avaliar a sua concretização.

Desempenho Escolar
A percepção da sociedade face ao papel da escola evoluiu nas últimas décadas. A organização do sistema educativo encontra, nesta, a sua dimensão mensurável. A necessidade de “prestar contas” e de “melhorar resultados” no campo educativo, reclama uma nova cultura de exigência que, apesar de dar os primeiros passos no nosso país, parece irreversível. No mesmo sentido a crescente “abertura” do país dá-nos uma percepção comparativa da realidade do desempenho educativo português no contexto internacional[2].

Por outro lado, também as escolas estão a iniciar um processo interno de avaliação ou auto-avaliação em que o Projecto Educativo de Escola é o instrumento para a sua implementação, estabelecendo objectivos com vista à sua posterior avaliação. A “nova concepção de escola, mais autónoma”[3], vai permitir a consolidação deste processo, apesar da resistência do “sistema”.

Se uma escola “eficiente” consegue uma melhor relação entre recursos disponíveis e resultados alcançados, concluímos que a avaliação do desempenho escolar deve abranger e incorporar as diferenças de contexto pelo reconhecimento da sua importância na “performance escolar”. Neste quadro consideramos para a análise da avaliação do desempenho escolar quatro dimensões de avaliação que enquadram os indicadores: Contexto, Recursos, Funcionamento e Resultados.

Desempenho Urbano
Na Europa, tem sido dada particular atenção à rede urbana das cidades médias. Por serem fundamentais no reforço da descentralização – conseguindo “economias de escala” sem acumular as “tensões” que caracterizam as áreas metropolitanas[4]- foram criados programas específicos para a sua consolidação no sistema urbano nacional (PROSIURBE) e de requalificação ambiental (POLIS). A atenção dada, tem “obrigado” a uma reflexão intensa sobre este segmento do sistema urbano de Portugal Continental[5], onde este estudo se enquadra.
Para analisar as cidades definidas consideramos no desempenho urbano quatro dimensões de avaliação que enquadram os indicadores: Populacional, Habitacional, Emprego e Qualificação e Sócio/Económicos.

As “tipologias” escolares
A distribuição do ensino secundário tem variado em função da organização curricular e dos edifícios escolares. A situação actual é herdeira desse percurso. O Estado Novo começou apenas com o ensino “liceal” e “técnico”, ao nível do secundário. Em 1968 a “escola preparatória” é criada para autonomizar o 5º e 6º anos de escolaridade, que dá resposta à passagem para 6 anos da escolaridade obrigatória (1964). Com o novo aumento para 9 anos (1986) surge a “básica integrada” que pretende autonomizar todo o ensino básico. Apesar das diversas tipologias propostas pelo sistema de ensino a realidade impôs diversas combinações em função das necessidades. A pressão demográfica e a (in) capacidade de resposta, por parte da Administração, de construir “novos equipamentos”[6] ditaram as diferentes soluções adoptadas (Quadro I).

As diferenças, entre os concelhos observados, estão relacionadas com as realidades locais, a sua história e dinâmica demográfica. Nas de maior crescimento populacional, criaram-se novas escolas secundárias, enquanto outras mantiveram apenas as duas herdeiras dos “Liceus” e das “Escolas Comerciais e Industriais” do Estado Novo como Beja, Portalegre, Santarém e Guarda. O factor “dispersão” para além do aumento demográfico ditou as regras em todas as outras capitais de distrito. A rede escolar andou a “reboque” do tipo de ordenamento urbano, mais ou menos programado, de cada concelho. Contudo é nas cidades que a maioria das escolas secundárias se localiza, as excepções são: Viana do Castelo (4), Leiria (2), Braga (2) e Aveiro (1).

Em 2000/01 a escola com maior número de alunos a frequentar este grau de ensino (Braga) tem 1496 alunos e a com menor (Leiria) tem apenas 85 alunos. A média é de 750 alunos do secundário por escola. No mesmo ano lectivo temos escolas com mais de 1000 alunos em; Viana do Castelo (1), Braga (4), Viseu (1), Coimbra (2), Leiria (3) e Setúbal (1). Essencialmente concelhos do litoral onde se tem sentido maior pressão demográfica.


A diversidade das cidades
Como podemos verificar (Quadro 2) a dimensão destas 16 cidades é bastante variável, quer em área quer em número de residentes. Assim como a área territorial ocupada pela cidade também regista uma grande amplitude. A densidade populacional média, nestas 16 cidades (2224 Hab. /Km2), está muito próxima da média das restantes cidades portuguesas (2228 Hab. /Km2)[7] em 2001.

Síntese e Tendências.
As 16 capitais de distrito registam um crescimento demográfico superior ao país e ao conjunto das outras cidades nas últimas décadas. Os seus perímetros urbanos têm alargado e nos respectivos concelhos, as restantes áreas urbanas e periurbanas continuam a ganhar novos residentes. Quando existe uma estrutura urbana polinucleada, o ensino secundário acompanha a dispersão e conjuga-se com os outros ciclos do Básico. As escolas ES/EB3 são as que têm mais alunos (61,2%), revelador da adaptabilidade desta tipologia às variações do sistema e às oscilações da população escolar, continuando a situar-se maioritariamente na cidade. (Quadro 1)

Ao manterem-se na cidade consolidada, estes equipamentos absorvem melhor as oscilações demográficas e simultaneamente contribuem para a sua revitalização, dando-lhes vida e criando condições de atractividade para que outras funções urbanas se mantenham, ou regressem a estas zonas. A concentração de recursos humanos e materiais nas escolas existentes permite melhorar a qualidade da oferta educativa, ao contrário da dispersão. O aumento populacional, verificado nas cidades, aconselha o aproveitamento dos recursos existentes. Nas escolas secundárias, o factor tempo e experiência melhoram os resultados destas instituições de ensino, provado pelos melhores resultados observados nas herdeiras dos antigos liceus.

A polarização em torno das capitais de distrito revela aspectos positivos: acentua o seu dinamismo económico, assegura o funcionamento dos equipamentos públicos, onde as escolas se incluem, e promove o ambiente e a sustentabilidade dos territórios ao prevenir a expansão urbana com a consequente racionalização dos recursos.

O desenvolvimento económico reflecte-se na melhoria das condições de vida das famílias. O Indicador per Capita de Consumo[8], que aponta a capacidade média de consumo por indivíduo, dá-nos essa percepção ao nível concelhio. As cidades onde este indicador é mais expressivo, têm uma menor saída precoce do ensino secundário. Por outro lado, é nos concelhos de maior dimensão geográfica e com maior tradição rural, que se registam mais casos de abandono escolar ao nível da escolaridade obrigatória. A concentração urbana (dentro de certos limites) parece beneficiar o desempenho de ambos os sistemas.

No entanto, na média das 16 cidades, a saída precoce do secundário é de 37% ao nível. Os alunos sem sucesso escolar tendem a procurar actividades remuneradas, ainda que pouco qualificadas, antes de o concluírem. Um ensino secundário mais profissionalizante, assim como o aumento da escolaridade obrigatória serão inevitáveis para que esta situação se inverta.

Vamos continuar a assistir à diminuição do número de alunos. A “desagregação da família alargada” e a feminização do trabalho estão a contribuir para a diminuição das taxas de natalidade. O crescimento demográfico urbano deve-se aos fluxos migratórios – do país ou do estrangeiro – de população em idade activa, o que coloca novos desafios de integração cultural e linguística para os filhos dos novos residentes. Paradoxalmente são as famílias mais desfavorecidas economicamente que têm mais filhos aumentando os problemas de exclusão. Estas novas realidades colocam à escola pública uma responsabilidade social acrescida na coesão das nossas cidades e terá de continuar a colmatar, ou mesmo a substituir, a família em muitos dos seus papéis tradicionais.

A “competição” entre estabelecimentos de ensino na “procura” de alunos vai continuar. A “oferta” diferencia-se e qualifica-se, responsabilizando a escola junto da comunidade local. No entanto, se diminuir a saída precoce e aumentar a “aprendizagem ao longo da vida”, as secundárias voltam a ter taxas de ocupação crescentes.

Existe um corpo docente mais estável no conjunto das 16 cidades que no restante país, explicado por serem capitais distrito, durante largos anos as únicas com este grau de ensino. Este aspecto parece ser determinante na obtenção de melhores indicadores nos resultados escolares, quer ao nível da frequência, quer ao nível dos exames. Com actividades e serviços de nível superior, estas cidades, também permitem concentrar uma população com melhores qualificações o que torna as expectativas das famílias, sobre o desempenho dos seus filhos, mais exigente.

A terciarização da população activa, observada em todas as cidades em estudo, tem conduzido a um aumento dos níveis de instrução mas não a uma melhoria dos resultados escolares. As com maior percentagem de população empregada no sector terciário, são maioritariamente do “interior”. Mas as cidades ainda ligadas a outros sectores de actividade, como Aveiro, Leiria, Viseu e Viana do Castelo têm melhores desempenhos escolares. O dinamismo e a competição urbana gerada em territórios com mais oportunidades são factores complementares para esta análise.

Há factores a ser analisados a uma outra escala que foque a relação da escola com o seu espaço envolvente. Escolhemos dois casos de estudo para compreender esta inter relação urbana e escolar dentro de uma cidade. Assim comparámos o desempenho de duas escolas e das suas respectivas zonas de influência com o da cidade – Setúbal - o que nos permite ter um referencial mais abrangente.

Casos de estudo
Ao relacionar o equipamento escolar e sua zona de influência, podemos observar que estes têm uma relação mais próxima do que se poderia supor. A história da cidade e dos seus equipamentos escolares são “cruzadas”. Mas a relação da sociedade com o ensino secundário e deste equipamento escolar com o espaço urbano alterou-se. As duas escolas escolhidas foram criadas em espaços e tempos distintos. O seu momento fundador determina parte das suas actuais diferenças.
A Escola Secundária do Bocage (ES Bocage), antigo Liceu, possui uma história que marca a cidade e a região como uma referência na formação e criação das suas “elites”. Tendo tido várias localizações anteriores o seu actual edifício é construído em 1949. A instalação da escola naquela localização impulsionou o crescimento a norte da cidade. Sendo uma zona próxima do centro, vai concentrar a melhor oferta habitacional da cidade. As zonas, nascente e poente do centro, mais altas, vão sendo ocupadas por população de baixos recursos que vai viver em habitação com menos qualidade.
A Escola Secundária D. João II (ES D. João II) começa a funcionar noutro contexto histórico. Vem satisfazer necessidades “urgentes”, pela insuficiência do parque escolar, então, com apenas três escolas secundárias em Setúbal (6 actualmente). É construída a nordeste do centro numa zona onde predominava habitação social de promoção pública. Esta acaba por ser instalada num terreno amplo mas onde a sua relação com o bairro e a cidade é quase “escondida”. Tendo apenas a frente da escola com contacto directo à malha urbana, através de uma rua estreita, com pouca dimensão e com edifícios exclusivamente habitacionais. A inserção urbana, destes equipamentos, acaba por reflectir o seu momento fundador. O “Liceu”, equipamento desejado pela comunidade como símbolo da importância da cidade e ES D. João II para satisfazer necessidades imediatas numa zona onde a escola era pouco valorizada. Vamos ver o que nos revelam os seus indicadores de desempenho.
A população nas duas zonas de influência das escolas secundárias tem vindo a crescer mais que na restante cidade, assim como a sua densificação. A existência de terrenos livres com capacidade construtiva assim como a profunda reconversão urbana, no caso da envolvente da ES D. João II, tornou possível a renovação da população, nestas duas zonas já bastante consolidadas.
A densificação urbana é recomendável para que a cidade mantenha e reforce a sua oferta de equipamentos e serviços, nomeadamente os escolares. Deste modo, as escolas podem contribuir para o desenvolvimento de outras actividades de proximidade nos bairros onde se situam. As duas zonas em análise revelam uma miscigenação funcional superior à média de Setúbal. A zona de influência (ZI) Bocage assiste a uma terciarização dos alojamentos nos pisos térreos ao longo dos principais eixos urbanos. Apesar de a dimensão da família estar a diminuir, o número de divisões por fogo aumenta sendo favorável à ZI Bocage. A diferença de rendimentos reflecte-se na qualidade da habitação e, estes, no desempenho escolar.
Entre as cidades não conseguimos relacionar a terciarização do emprego com os resultados escolares. Todavia, entre estas duas zonas em estudo, existe uma diferença de cerca de 10% de população empregada no sector terciário, favorável à ZI Bocage. Na especificidade local parece ser a comunidade com maior terciarização no emprego que consegue ter rendimento escolar ao nível do secundário. Para além deste aspecto, a qualificação da população, é também um factor de diferenciação entre elas. A ZI Bocage tem um nível de instrução muito superior à ZI D. João II, o que influência os conhecimentos dos alunos e as expectativas das suas famílias.
A taxa de desemprego marca mais uma expressiva diferença entre estas duas zonas, afectando mais a ZI D. João II, apesar desta diferença se ter esbatido, reflexo da sua renovação urbana. A relação desta comunidade com a escola está a mudar por ser mais qualificada.
A saída precoce é 20% inferior na ES Bocage. Esta é também a escola que perde menos alunos na cidade. As com melhores resultados são mais procuradas por alunos e suas famílias. Com uma ZI mais envelhecida o antigo liceu recebe alunos com residência fora da sua área de influência, continuando a representar para a população de Setúbal a melhor forma de preparar os seus jovens para o prosseguimento de estudos.
O recurso à Acção Social Escolar atesta a diferença económica entre os alunos, reflectindo as zonas que servem. A ES D. João II tem o dobro da percentagem de alunos apoiados. A diminuta utilização do Transporte Escolar na ES Bocage confirma esta diferença. O transporte individual ganha expressão na deslocação casa/escola dos alunos, reflectindo-se no congestionamento de trânsito na sua envolvente.
A ES Bocage tem melhores indicadores de contexto, funcionamento e apresenta melhores resultados que a ES D. João II, só se equivalendo nos indicadores de recursos. Não traduzindo toda a realidade escolar podemos concluir que uma escola depende muito da comunidade em que está inserida. Mas a escola pública não se pode limitar a ser um “espelho social”, mas constituir-se como um agente de mudança. As duas zonas de influência explicam parte dos resultados escolares, assim como a presença das escolas é determinante para a qualificação dos seus bairros envolventes.
Na segurança, as escolas estão a assistir a novos desafios em que o trânsito e a “pequena” criminalidade condicionam a forma como nos movimentamos na cidade. A vivência do espaço público, com uma melhor articulação entre o bairro e a escola, pode transformar a mobilidade urbana, fazendo-a depender menos do automóvel e possibilitando mais pessoas a circular nas ruas. Criando simultaneamente maior sensação de segurança – menos automóveis e mais pessoas – e um melhor ambiente – menos poluição, melhor saúde.
A relação entre o bairro e a escola não pode ser tratada numa perspectiva de serviço/utilizador, por parte do planeamento, este tem de aproximar-se das realidades locais, orientando a melhoria das condições de vida nos centros urbanos. A capacidade de afirmação de qualquer instituição passa, ao longo da história, pela sua arquitectura e desenho urbano. A melhoria destes equipamentos e da sua envolvente é por isso determinante para a qualificação do território e das suas populações. O “urbanismo escolar” tem aqui um papel a importante a desempenhar.


[1]AFONSO, Natércio, A Avaliação do Serviço Público de Educação: Direito do Cidadão e Dever do Estado, in CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, Qualidade e Avaliação da Educação, Lisboa, Editorial do Ministério da Educação, Julho de 2002, pp.97.
[2] A Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) tem elaborado diversos estudos comparativos, assumindo um papel determinante nesta matéria. Onde foram encontrados indicadores ao nível nacional para se estabelecerem comparações internacionais. Os indicadores locais criados desde então permitiram a comparação dos progressos com os outros estabelecimentos de ensino.
[3] ROCHA, Abel Paiva, Avaliação de Escolas, Porto, Edições Asa – Colecção: Em Foco, 1999, pp15.
[4] SILVA, Jorge, e all., Guia para a elaboração de planos estratégicos de cidades médias, Lisboa, DGOTDU, 1996, pp. 13.
[5] FERRÃO, João, e MARQUES, Teresa Sá, Sistema Urbano Nacional – Síntese, Lisboa, DGOTDU, Maio 2003, pp.7.
[6]BARROSO, João, Organização e Gesto das Escolas Secundárias – Das tendências do passado às perspectivas de futuro, in CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, O Ensino Secundário em Portugal, Lisboa, Editorial do Ministério da Educação, Junho de 1999.pp119.
[7] Conforme a publicação do INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA, Atlas das Cidades de Portugal, Lisboa, INE, 2002.
[8] Ver INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA, Estudo Sobre o Poder de Compra Concelhio, Lisboa, INE, 2005. CD-ROM e em www.ine.pt, pp,4.

* Mestre em Urbanística e Gestão do Território (IST/UTL)

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