segunda-feira, abril 3

Porque foi uma má decisão “rejeitar” o ensino do Inglês em Setúbal?


É comum saber pela imprensa que determinada fábrica muda de um pais para outro, ou que uma empresa escolheu uma determinada região e não outra para se instalar. Se a este nível já é perceptível para a generalidade da opinião pública a competição entre países e regiões, o mesmo não acontece em relação às cidades. Mas num mundo cada vez mais “globalizado” e “aberto” a competição afecta também as dinâmicas urbanas e seus territórios.

Esta realidade tornou o planeamento estratégico, uma abordagem tipicamente empresarial, num instrumento ao serviço do desenvolvimento. O que prova que as dinâmicas territoriais se aproximaram das empresariais. Grandes operações de recuperação urbana já foram promovidas por esta nova forma de direccionar vontades e circunstâncias. Bilbau foi um caso exemplar de aplicação deste tipo de planeamento, regenerando uma cidade industrial em decadência, que em poucos anos se tornou numa capital regional emergente. O famoso”museu” Guggenheim foi apenas consequência mais “visível”.

A dimensão estratégica diz-nos que as cidades para serem competitivas têm que apostar num conjunto de eixos estruturantes, onde a qualidade do factor humano é central. É quase unânime, que qualificação da população residente é um dos aspectos essenciais para a competitividade de uma cidade. Vejamos a educação para vermos como Setúbal se encontra a esse nível.

Ao comparar um indicador verificamos que em Setúbal temos apenas 15,3% da população com ensino superior (INE, 2001), contra 18,4% na Área Metropolitana de Lisboa (AML) no seu conjunto. Estes números devem-nos fazer reflectir. Porque será que uma capital de distrito – com ensino secundário há mais de um século, apresenta uma média menor que a da AML e que mesmo se comparada com as outras capitais de distrito também aparece nos últimos lugares? Não fixamos os quadros superiores que produzimos na cidade, ou produzimos poucos quadros? Pensamos que acontecem as duas situações.

Setúbal pela proximidade a Lisboa perde algumas actividades de nível superior para a capital e por consequência alguns dos seus habitantes com licenciatura. Mas continua a registar um abandono escolar preocupante, mesmo a nível do ensino secundário, onde 39,5% dos alunos não o concluem (2001). Mas hoje, com a mobilidade crescente, as pessoas já escolhem o seu local de residência em função de outras prioridades que não só a proximidade ao emprego. Como inverter o ciclo? Para se conseguir fixar residentes qualificados necessitamos de bom emprego e de garantir qualidade de vida urbana. Esta também passa por um bom ensino que evite o abandono escolar.

Num contexto social difícil como o de Setúbal exigia-se ao governo local uma atitude pró activa pela qualificação das suas populações. Essa é uma das tarefas estratégicas ao alcance de uma Câmara Municipal para melhorar o factor humano no seu concelho, assim como atrair melhores empresas e serviços de nível superior, puxando para “cima” a população que serve.

Ora o que assistimos nós em Setúbal no último ano? Justamente ao oposto. O prolongamento de horário, para permitir o ensino do inglês às nossas crianças do 1ºCiclo, proposto pelo Ministério da Educação, foi rejeitado. Tendo mesmo ficado o nosso município como o único do país que não aderiu em 2005/06. Para visão estratégica de desenvolvimento não está mau, está péssimo.

Mesmo com problemas de adequação da rede escolar, que existem, nunca se devia ter tomado essa posição, pois Setúbal ficou diminuída enquanto comunidade e a população percebeu que os seus dirigentes actuais estão mais interessados em protestar do que em realizar. E assim continuará Setúbal a perder competitividade territorial a favor de outras zonas e cidades com uma verdadeira visão estratégica.

Publicado hoje no Jornal de Setúbal (Segunda, 03/04/06)

1 comentário:

Ruvasa disse...

Viva, Paulo!

Mas isso é problema transversal da sociedade política (mas não só política...) setubalense desde tempos imemoriais.

A decisão abstrusa de não aderir a uma medida como essa, encontra raízes fundas e justificação em outras decisões/acções ou omissões verdadeiramente "assassinas" da cidade e do concelho, do interesse das suas gentes.

O problema de Setúbal continua a ser a falta de elites pensantes e actuantes (dois ou três casos de gente capaz de se movimentar e pugnar pela terra, como o caso do recentemente falecido Maurício Costa não chegam para desmentir a asserção).

Só assim se compreende que, por exemplo, tenha sido, em tempos, concedido à Secil alvará para exploração de pedreiras na Arrábida e, quando o prazo estava a terminar, inventaram-se outras necessidades, apuraram-se outros negócios, como a co-incineração, para que impunemente se continuasse a "vilipendiar" um património inestimável.

E, diga-me cá, Paulo, ouviu algum alarido que se ouvisse mesmo, no sentido de obstar a tal patifaria? Não acha curioso que, não obstante isso, nas últimas legislativas, os setubalenses não hesitaram em dar, a quem se aprestava para, uma vez mais, os tramar, uma absolutíssima maioria?

Que significa uma tal atitude? Que era isso mesmo por que ambicionavam, não concorda?

Acha que, depois disto, têm os setubalenses que se queixar seja do que for?

Mas há mais:

Ouviu alguma autoridade ou mesmo alguma corrente opinião, insurgir-se com outra malfeitoria causada a Setúbal, com a implantação do porto de escoamento de automóveis - que mais dia mesno dia deixam de cá ser construídos - em plena cidade, enquanto em Lisboa se aliviava a carga portuária para devolver um pouco de beira-mar aos cidadãos?

E fico-me por aqui, mas creia que não por gfalta de exemplos destes. Infelizmente. Sim, infelizmente, são em quantidade enorme.

Quer mais um, já agora? Toda a zona da Bela Vista, eufemismo com que é designado o maior cancro da cidade, numa zona que poderia/deveria ser um ex-libris setubalense.

O que é que queremos nós, setubalenses, aqui paridos ou aqui aportados? Que outros façam por nós aquilo que nos recusamos a fazer? Isso é que era bom! Quem quer bolota é que trepa a colhê-la...

Só temos o que merecemos e provavelmente nem temos tudo o que efectivamente merecemos.

Quando decidirmos, em número apreciável - e não nos ficarmos por um ou dois, sem força real - a fazer vingar os nossos direitos de cidadania, então seremos merecedores de outra sorte, de outros governantes, a todos os níveis. Seremos merecedores e certamente que os teremos.

Enquanto não, não... E assim é que deve ser, por respeitar a ordem natural das coisas, por que se rege o universo.

Por isso, meu amigo, a decisões tolas e cretinas como essa que refere estamos de há muito habituados, pelo que já não aquecem nem arrefecem, e comendo-as, deglutimo-las com gosto, ao que parece...

Desgosta-me tudo isto porque vai repercutir-se nos jovens muito jovens, que ainda não tem voz que se ouça e bem assim nos nascituros. Com os males que possam ser causados às gerações actuais, não me impressiono nada. Temos o que merecemos, repito, talvez menos do que merecemos.

Abraço

Ruben