Apesar dos tempos difíceis que estamos a atravessar em Setúbal algo parece estar a mudar. Nas últimas semanas realizaram-se dois debates que promoveram uma reflexão séria e pouco habitual sobre a cidade e o concelho. Consideramos a sua realização e a forma como correram, um sinal de abertura e disponibilidade para um “novo tempo” de politicas urbanas: «Que futuro para Setúbal?» promovido pelo Diário de Noticias e pela TSF, no Charlot, a 31 de Janeiro e, «Quartel do 11 que futuro?», promovido pela LASA, no dia 8 de Fevereiro, no Clube Setubalense. Ambos participados e com casa cheia.
A promoção de eventos que contribuam para a melhoria de Setúbal é uma forma de tirar a cidade e a região do impasse em que se encontram. Obrigar as “elites locais” a organizarem-se na defesa dos seus interesses é a única maneira de dinamizar e orientar o nosso futuro comum. Está visto que a atitude passiva não dá resultados. Continuar a confiar apenas no poder instituído para resolver os nossos problemas é um erro, já evidente para todos. A sociedade setubalense tem de assumir as suas responsabilidades. Tem de dizer o que pensa e o que quer. E também o que não quer. Este deve ser o caminho.
Como já referimos aqui, em artigo anterior, a região envolvente de Setúbal tem condições naturais excepcionais para o seu desenvolvimento. A proximidade da área metropolitana, com o maior rendimento “per capita” do País, constitui uma vantagem acrescida. Falta qualificar os recursos humanos e tornar a cidade de Setúbal num verdadeiro pólo complementar a toda a envolvente natural e paisagística. Esta deve ter tudo o que a sua região envolvente não tem. Concretizando: Tróia vai ter turismo de qualidade. Para o servir precisa de mão-de-obra qualificada. Terá de ser aqui que a vai encontrar. Quem está em Tróia procurando o melhor que a natureza tem para oferecer tem hábitos urbanos. Se Setúbal oferecer um conjunto de comércio e serviços de primeira linha, é a Setúbal que esses turistas virão satisfazer as suas necessidades.
É neste conceito de centralidade urbana complementar que a cidade tem de assentar. Não podemos continuar a perder tempo em discussões extremadas e do passado. Dou dois exemplos:
Não tem interesse saber se a cidade é turística ou industrial. Ela tem de oferecer aquilo que a envolvente natural não oferece e tem de “obrigar” a sua indústria a ser cada vez mais “amiga do ambiente”. As que não forem terão de sair. Mas tem de ter, necessariamente, as duas valências para se poder afirmar como um pólo de serviços e comércio regional. As cidades competitivas têm de acrescentar, não de excluir.
Outro exemplo é a discussão sobre a defesa do património. Esta continua a girar em torno de duas dicotomias que nos parecem redutoras e ultrapassadas: A primeira é olhar para o património como algo de “antigo”, excluído do presente e condenado no futuro. Preferimos ver o património como tudo o que de bom deixamos às gerações futuras. Seja feito hoje ou há quinhentos anos. A segunda é considerar que a única forma de salvar o “património histórico” ou identitário é através do Estado (ou das Autarquias). Já todos devíamos ter percebido que a intervenção do Estado está cada vez mais limitada porque a manutenção do chamado “modelo social europeu” absorve cada vez mais os recursos, deixando pouco para o resto. Então teremos que equacionar, antes de mais, a vocação estratégica dos edifícios em causa e só depois procurar soluções economicamente sustentáveis a prazo. Não se pode ficar refém de uma reivindicação sobre o Estado (ou Autarquia) para solucionar, por si, tudo aquilo que nos parece essencial preservar.
Para “salvar” o Quartel do 11 ou o Convento de S. Francisco (referindo só estas duas “bandeiras” da LASA), não podemos esperar “sentados” por soluções do sector público. Este tem de participar – até porque nestes dois casos são sua propriedade – mas como defensor do interesse público, nunca como especulador imobiliário. Deve promover e enquadrar soluções envolvendo o sector privado “amigo do património”, onde este seja uma mais valia para desenvolver a sua actividade. Não deve entregá-lo a quem o queira destruir.
As cidades para se manterem “vivas” têm de preservar a sua memória com os olhos no futuro, não podem ficar paralisadas em “enredos” do passado. Busquemos um tempo novo.
Publicado, hoje, no Jornal de Setúbal