segunda-feira, outubro 1
Vias Rápidas?
A rapidez é um dos mitos da nossa modernidade. Produzir mais em menos tempo, consumir mais produtos com “ciclo de vida” mais curto ou vencer as distâncias com mais facilidade tornou este mito numa aparente realidade. Mas apesar de discutível é cada vez mais difícil fugir à aceleração do nosso quotidiano. O desenvolvimento tecnológico e seu generalizado acesso por cada vez mais pessoas é responsável por boa parte desta aceleração.
O território reflecte também esta vontade ou necessidade que todos temos de conseguir vencer o espaço em cada vez menos tempo. Os meios que hoje temos à disposição para nos deslocarmos criam a sensação de que essa seria uma tendência sem retorno. Mas a generalização do automóvel veio colocar em causa essa ideia. O congestionamento, a falta de estacionamento e os riscos associados à velocidade, obrigaram a uma desaceleração neste processo que parecia imparável. Hoje é perceptível que os problemas ligados às acessibilidades passam por outro tipo de opções que não podem continuar a colocar o automóvel como tema central.
No entanto, vemos ainda nas nossas cidades serem realizadas intervenções que estão em contra ciclo com as necessidades do nosso tempo. A ideia de atravessamento rápido da cidade tem sido alimentada por se julgar que com mais vias de comunicação se consegue ultrapassar o problema do congestionamento. E se forem vias rápidas ainda melhor. Os especialistas dizem que a construção de uma nova via tende sempre para o seu limite de serviço. Ou seja, para o seu inevitável congestionamento e consequente abrandamento da velocidade. Para além de, no caso de ser uma via urbana, estar limitada pelo código da estrada aos 50 km/h. O que, convenhamos, não é lá muito rápido.
A separação por funções e sistemas das várias componentes urbanas, típica do século XX, levou a que os especialistas nas diversas áreas resolvessem, isoladamente e olhando pouco para o conjunto, cada um dos seus problemas específicos. As acessibilidades são determinadas por especialistas em tráfego que, normalmente, olham apenas para a necessidade de resolver a circulação rodoviária. Esquecendo-se que a cidade vai muito para além deste problema apesar de este ser muito importante. É por isso necessário olhar para as diversas componentes da cidade de forma integrada e o mais harmonizada possível. Uma rua não pode ser apenas um atravessamento automóvel.
Por isso as “vias rápidas” dentro da cidade ou atravessando zonas residenciais são, na nossa opinião uma opção sem sentido por duas razões essenciais: Em primeiro lugar porque, como já vimos, não podem ser rápidas e em segundo porque destroem a continuidade urbana, tornando-se barreiras dentro das cidades, com todos os efeitos negativos a estas associados.
Em Setúbal existem dois casos, ambos na Estrada Nacional 10, que nos parecem da maior importância resolver, a bem da qualidade de vida urbana, da coesão social e da identidade da cidade. Um é a famosa “variante da Várzea” que liga a “Estrada dos Ciprestes” à Estrada de Azeitão, a outra a Avenida Antero de Quental, que passa junto ao “Jumbo” e que divide o Monte Belo em dois.
As duas vias deviam passar a ser avenidas urbanas, com vários atravessamentos, o que permitia uma maior interligação entre as zonas que dividem, tornando essas zonas mais seguras para quem as atravessa (actualmente já são muitos) e para todos os que as vivem. As barreiras tornam sempre os seus espaços envolventes mais inseguros e decadentes, por serem menos vividos.
Ao optar por transformar estas barreiras em espaços de relação e convívio a cidade ficava mais agradável, mais segura, mais coesa e, garantidamente, não se tornaria menos rápida. Pelo contrário, sendo mais permeável aceleravam-se alguns percursos. Esta seria uma via alternativa, não sabemos se rápida, mas com certeza mais acertada do ponto de vista urbano.
Publicado hoje no "Jornal de Setúbal"
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