quinta-feira, outubro 16

A cidade o seu centro e o potencial do seu património

Artigo publicado no Jornal Setubalense 09.05.2014

Uma das consequências imediatas da mudança de paradigma económico é a sua expressão no território e na cidade. Sempre que muda operam-se alterações na maneira como vivemos o que de imediato se reflete na forma como habitamos o espaço. Setúbal, aglomerado com história já longa, tem estado muito marcado, para o bem e para o mal, pelos ciclos económicos do sal, da conserva, da indústria pesada e, recentemente da construção civil, associada ao crédito fácil e à especulação imobiliária.
O ciclo industrial da década de 60 alargou o seu perímetro urbano para mais do dobro, assim como a sua população. Apesar da sua da sua falência, parte conseguiu subsistir e reconverter-se, através de novos investimentos trazendo nova tecnologia. Esta passagem, que se iniciou na década de 80, deixou muita da mão-de-obra intensiva e pouco qualificada de fora, criando um desemprego estrutural onde alguns nunca mais trabalharam, pelo menos na economia formal. No entanto, a cidade e o concelho não diminuíram o seu número de habitantes, antes pelo contrário, tendo boa parte do emprego passado para o setor terciário ou sido absorvido pela emergente construção civil. Apesar da qualificação (escolar ou profissional) continuar a ser baixa, especialmente se comparada com o contexto da área metropolitana, ou com as restantes capitais de distrito, esta tem vindo a aumentar consistentemente, mesmo tendo faltado uma universidade pública (como aconteceu com Évora ou Aveiro, por exemplo).
Com a falência do modelo económico e urbano assente na construção de novos fogos e consequente expansão territorial e urbana (de 90 para 2001 “produziram-se” mais casas do que pessoas) chegou-se aos dias de hoje com uma cidade maior mas com o seu centro tradicional (onde incluímos não só o “histórico” mas toda a coroa construída até aos anos 60) desabitado e em mau estado. Podemos apontar algumas razões para isso (arrendamento urbano esclerosado, fiscalidade inadequada, desleixo, moda, falta de visão, de estacionamento…) mas o que parece ser um facto é que, pelo menos ao nível do discurso político e técnico, a reabilitação urbana (ou revitalização ou regeneração), parece ter vindo para ficar. Voltou-se a olhar para o centro envelhecido.
Assim interessa começar a pensar o que Setúbal (e Azeitão) tem para oferecer a este nível e definir políticas públicas - em cooperação com vontades e desejos privados – que ajudem a tornar o território e a cidade melhor e mais atrativo. Vamos só falar de alguns. Do ponto de vista urbano Setúbal não é uma cidade monumental, ou com muito “património”, mas ficou um centro histórico com grande dimensão (acompanha toda a Luísa Todi, em Setúbal e com um conjunto de quintas e casas “senhoriais” em Azeitão interligadas) que é, no nosso entender o seu maior legado urbano. Pois adjacente a este temos uma serra magnífica (para nós sempre património da humanidade) e um estuário, praia (cada vez mais urbana), bom tempo, estamos perto da capital (mas com custos de contexto muito mais baixos), temos mercados de frescos e um conjunto de serviços de saúde e geriatria já com alguma qualidade de serviço) e uma industria e um porto pujante que só precisa continuar a afinar os seus critérios ambientais e de relação urbana. Não temos tudo, mas temos muito que pode ainda ser melhorado. É para isso que é necessário olhar e promover, para se conseguir captar o interesse dos investidores…porque eles andam por aí em busca de boas oportunidades e só com políticas públicas facilitadoras de investimento, que tragam riqueza, poderemos aproveitar este novo ciclo que se apresenta e que pode, finalmente, reconciliar Setúbal com a sua natureza.


Corredor verde e corredor no verde

Artigo publicado no Jornal Setubalense em 19.03. 2014

A procura da harmonização do espaço humanizado com o natural tem sido uma constante ao longo da história, mas a sua necessidade sentiu-se de forma mais premente quando o fenómeno urbano se expandiu, em particular a partir da revolução industrial. Foi aí que se começou a introduzir de forma mais sistemática a natureza na cidade como tentativa de restabelecer esse vínculo perdido. Não é por acaso que é justamente com o século XIX que os parques, os jardins e a vegetação nas ruas e avenidas se tornaram tão importantes.
Mais recentemente reconheceu-se a necessidade de estabelecer contínuos naturais que permitissem o fluir da fauna, flora, vento e água naquilo que se determinou como estrutura verde (ou ecológica). O “corredor verde” mais não é que um espaço urbano que permite a permanência ou a mobilidade, em contínuo, dos elementos naturais, assim como aos habitantes da cidade participarem e usufruírem destes. Tentou-se acabar com a separação tradicional entre a cidade e o campo, passando este último a integrar o primeiro.
Com o abandono do mundo rural (e florestal) novos desafios se colocam, mas agora de sentido contrário. É agora a cidade, através dos habitantes que maioritariamente aí vivem, que tem de se deslocar até ao campo, para que este produza e se preserve. Para isso as acessibilidades adequadas são importantes para permitirem a mobilidade entre espaços urbanos e rurais com fluidez para benefício mútuo.  
Faz todo o sentido criar “corredores no verde” que se articulem com os “corredores verdes” para circular entre estes dois mundos de forma ordenada. As suas fronteiras estão cada vez mais esbatidas, quer por força da mobilidade residencial e laboral crescente quer pelo aumento exponencial do tempo que se dedica ao lazer (cultura, desporto e turismo) e que os faz aproximar ainda mais.
À cidade de Setúbal que está entre duas reservas (Arrábida e Sado)- de alto valor, agrícola, ecológico, paisagístico e mesmo patrimonial - uma boa articulação entre estes dois mundos interessa muito. Curiosamente parece, hoje, ser mais difícil ordenar o espaço natural que o espaço urbanizado, tornando-o ainda mais fechado.
Seja por desleixo, abandono, excesso de burocracia ou mau planeamento, ineficácia, fundamentalismo ambiental ou uso errado do direito de propriedade, o espaço natural tornou-se mais inacessível. Só dificilmente se consegue sair do asfalto para percorrer caminhos devidamente identificados, cartografados e autorizados. Fora as poucas pessoas que os conhecem, todas as outras correm o risco de se perderem ou de involuntariamente invadirem propriedade alheia.

Sugerimos pois que se institucionalizem estruturas de decisão com os diversos agentes (incluindo proprietários) que permitam ordenar, marcar e proteger caminhos públicos que criem os referidos “corredores no verde” que proporcionem o usufruto da Serra e do Estuário por parte dos caminheiros, desportistas, amantes da natureza e turistas.