A manutenção do Estádio do Vitória no Bonfim é uma boa decisão tomada pela nova direcção do V.F.C, apesar de ainda não estar garantida. É boa para o Clube e para a cidade de Setúbal: Para o Clube porque ao manter-se no Bonfim preserva-se como um símbolo de uma identidade inscrita na memória do lugar que, para muitos setubalenses (especialmente os vitorianos), faz parte do seu património colectivo e que quase todos lamentavam ver definitivamente arredada para “fora” de Setúbal. Para a cidade porque esta necessita preservar um conjunto de funções e factores identitários no seu centro urbano, para travar a decadência que este tem vindo a assistir.
A relação entre o clube, o estádio e a cidade mudou nos últimos anos e irá, com este novo impulso, mudar muito mais. Mas é desejável que a mudança seja benéfica para todas as partes. Do lado do Vitória esta operação pretende, essencialmente, resolver duas questões: a construção de um novo estádio, moderno e funcional com 15 mil lugares e contribuir para a solução da sua problemática situação económica nos próximos anos através da renda gerada pela zona comercial associada ao projecto. Por parte da cidade, esta operação pode significar um novo impulso de revitalização urbana, com a criação de um pólo de dimensão regional com múltiplas valências, a nível desportivo, comercial e até cultural, de que Setúbal tanto precisa.
Existem, no entanto, alguns problemas na gestão actual na zona do Bonfim que se não forem resolvidos com esta intervenção poderão tornar a vida da cidade mais difícil e comprometer o seu sucesso. Este projecto não pode, apenas, reflectir a resolução dos problemas do curto prazo, nomeadamente os económicos por parte do clube. A pressa e uma visão estritamente imobiliária ou de populismo fácil podem sujeitar este empreendimento a más decisões, politicas e técnicas, que ensombrarão o seu futuro, como aconteceu num passado bem recente.
A inserção urbana do novo estádio é essencial para o seu bom funcionamento. Sendo actualmente a zona do Bonfim já bastante complicada em termos de acessibilidade e trânsito, podemos imaginar como será com uma carga permanente muito superior com um “novo centro” comercial de 50. 600 m2 de área coberta e mais 23.500m2 de habitação. É, portanto, essencial que o novo plano de pormenor não se limite à zona de intervenção do actual estádio e do seu campo de treino mas “olhe” toda a zona envolvente para “ver mais longe”.
Para que isso aconteça, este plano tem de ter uma dimensão estratégica a ele associado, não pode ser apenas mais um “loteamento imobiliário”. Se assim não for, pode comprometer mais do que resolver. Para que a cidade e o Vitória beneficiem com este plano, este tem de ajudar a afastar problemas, alguns já existentes e evitar outros no futuro. Deixamos aqui três pistas para uma reflexão que deve ser conjunta do Vitória com a cidade.
O Plano de Pormenor do novo Estádio do Bonfim deve reflectir uma boa articulação com os dois pólos comerciais próximos, a “Baixa” e a nova Estação da CP na Praça do Brasil (esta com uma valência comercial importante) porque é necessário um olhar complementar na estratégia comercial e na articulação destas três centralidades comerciais e urbanas para que todas beneficiem, podendo ser a “oportunidade” para o início da revitalização da “Baixa”.
Uma nova articulação com a “via rápida” que liga a estrada para Azeitão com a estrada para Palmela/Auto-estrada é fundamental para melhorar a acessibilidade do Bonfim assim como da restante cidade. A “via rápida” tem ligar directamente a Av. Antero de Quental (Av. do Jumbo) com a estrada de Azeitão e o nó de articulação com a primeira tem de ser desnivelado para acabar com o conflito de trânsito existente na Estrada dos Ciprestes, que gera boa parte dos engarrafamentos na cidade. Esta “via” deveria também deixar de ser “rápida” e passar a ser uma avenida urbana para permitir o atravessamento de pessoas (pela necessária acessibilidade pedonal ao novo espaço comercial e desportivo) e permitir ligar a rede viária a um novo eixo de escoamento de trânsito alternativo à Av. Rodrigues Manito, já demasiadamente saturado.
Um bom estacionamento é outro aspecto essencial, quer para o estádio quer para a superfície comercial, que terá de ser necessariamente articulado e complementar. Mas a sua instalação em caves comporta algumas salvaguardas, a implantação do Estádio está assente em “leito de cheia” e a Ribeira do Livramento, que passa junto a este, é “responsável” pelas inundações da cidade. Esta linha de água necessita de ser repensada num Plano de Bacia Hidrográfica que podia ter, também aqui o seu impulso, estabelecendo uma nova articulação com o tecido urbano, onde o Parque Urbano da Várzea pudesse ser definitivamente realizado, ligando-o com o Parque do Bonfim através do Estádio.
Projectar um equipamento com múltiplas valências, como este e no coração da cidade, deve constituir uma oportunidade séria para melhorar Setúbal e o seu maior clube. Desejamos, por tudo isto, a este projecto do novo Estádio do Vitória, um Bom Fim.
2 comentários:
Não podia estar mais de acordo com o que referiu.
No entanto, o meu grande receio é que, por uma intervenção perfeita do ponto de vista urbanistico, nomeadamente em termos de acessos, como a que aqui mencionou, ser excessivamente cara, a cidade se fique pelo copy paste do novo estádio no local do antigo. Se tal vier a acontecer, o estádio acabará por ser mais uma alinha no eterno problema da circulação viária ao redor do estádio.
Por outro lado, implantar o novo estádio num local em formação poderia dar um impulso a uma expansão cuidada de uma nova parcela da cidade, interligado e coordenando-a em termos de acessos e vivência com a consolidada.
De qualquer forma, cá estaremos para ver como será resolvida esta questão.
As dúvidas levantadas estão equacionadas no artigo e também nos artigos anteriores sobre o Vale da Rosa.
Mas mesmo assim o fundamental é não deixar partir da cidade consolidada tudo aquilo que verdadeiramente tem significado para que ela não definhe ainda mais. A relação com a envolvente é determinante na perseguição do mesmo objectivo.
Mas temo que esta gestão camarária não tenha a capacidade de impor uma visão estratégica ao mero circunstancialismo dos insteresses em presença.
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