segunda-feira, maio 28

Reabilitar a Cidade




Aconteceu nos passados dias 18 e 19 de Maio algo de raro. Estiveram reunidos em Setúbal cerca de 100 personalidades de todo o País – do Porto a Faro – para reflectirem sobre políticas urbanas. Este encontro denominado «Jornadas Nacionais, (Sociedades de) Reabilitação Urbana: Limitações e Potencialidades» conseguiu, para além de uma abrangência territorial, congregar um conjunto muito alargado de áreas profissionais e disciplinares, assim como diversos organismos e empresas: públicos e privados. Aí se abordou a temática referida segundo várias perspectivas: do planeamento à construção passando pelo património cultural, comércio e sustentabilidade. Onde estiveram também representantes de várias Sociedades de Reabilitação Urbana (SRU), que partilharam, com os presentes, os caminhos (diversos) percorridos até agora. Este evento teve ainda a particularidade de “nascer” a partir da “sociedade civil”. Organizado por duas instituições com naturezas distintas – Santa Casa da Misericórdia de Setúbal e Ordem dos Arquitectos – mas com o interesse comum no aprofundamento deste tema. Tendo este evento sido apoiado por muitas outras entidades e ordens profissionais.

Apesar de este ser um problema que interessa particularmente a Setúbal, o debate orientou-se para as diversas realidades do território nacional. O objectivo principal foi realizar um balanço actual sobre a reabilitação urbana em Portugal. Tão importante como olhar a realidade local é alargar o horizonte, partilhar experiências e pontos de vista. Foi o que fizemos com diversos profissionais e académicos de vários pontos do País. É necessário pensar global para agir localmente.

















Desta troca pudemos concluir o que já intuíamos. Se a incerteza é um dado cada vez mais adquirido para quase tudo, no contexto da reabilitação urbana, ela é ainda maior. A cidade é por definição o lugar onde tudo acontece, mas perante esta enorme complexidade o que devemos fazer? Como poderemos orientar uma política urbana com estes pressupostos? Deveremos ficar apenas a observar? Pensamos que não. Devemos planear para melhorar a realidade. Mas como?

Hoje planear uma cidade já não é elaborar um plano em papel, realizado por uma equipa de gente mais ou menos sábia. Planear positivamente sobre a realidade só é possível se todos a quem se dirige se envolverem na mudança. Não necessariamente através de consensos mas da convergência de interesses, onde o interesse público deve sempre prevalecer. Para que isso possa acontecer pensamos ser indispensável envolver, reflectir, propor, e depois agir sobre a cidade. Por esta ordem. Nasce do desejo de mudança a necessidade de mudar. Mas a incerteza e a complexidade devem ser trazidos para o “interior” dos processos e das organizações. Não se deve partir para um processo de reabilitação urbana a partir de uma organização. Mesmo se esta for uma empresa. Deve-se antes perguntar à cidade o que é que esta “deseja ser” e depois tentar perceber como satisfazer “esse desejo”.

Se estivermos a falar do seu centro urbano ou “histórico”, pouco podemos fazer por este se não pensarmos primeiro na cidade, no seu conjunto. Só depois de sabermos o que esta quer ser poderemos dizer às suas diversas “partes” como podem contribuir para o seu todo.

Numa cidade como Setúbal o conceito de reabilitação urbana faz sentido ser aprofundado e não só no seu centro. Mas reabilitar a zona da “baixa” da cidade não se pode cingir a um plano ou mesmo a uma nova empresa. Primeiro deve-se saber o que se quer e só depois procurar como o realizar. A forma correcta de o fazer é o nosso “ovo de Colombo” no futuro próximo. Sejamos tão criativos quanto o foi o navegador.


Publicado hoje no Jornal de Setúbal

2 comentários:

Joao Augusto Aldeia disse...

De acordo. As cidades sabem sempre para onde vão (estratégia emergente - Mintzberg) mas o racionalismo planificador tomou conta do ensino universitário e os seu milhares de rebentos, empunhando certificados selados por Secretarias e Ordens, lá vão, perfilados por escolas de pensamento, cantando e rindo, construir a cidade Paraíso. "Ouvir o que a população quer" é apenas mais uma dessas escolas, da qual perdemos há meses um arauto.

Incerteza, sim, no sentido de Heisenberg: mas alguém aprende isso na escola? Vão é à cata de "diminuir a incerteza", que é uma negação do dito Princípio.

paulo pisco disse...

Sabemos que existem muitos fundamentalismos e, pior, muita retórica sobre a "participação", mas pensamos não ser possível numa sociedade como a actual fazer algo contra a generalidade daqueles a quem se dirige. Não lhe parece?
A complexidade e a incerteza são difíceis de apreender especialmente quando se vive num mundo cada vez mais regulado. Dominado pelo direito que tende a ser demasiado normativo e por isso mesmo pouco "flexivel". Isto para não falar da cultura administrativa existente em Portugal. No entanto, pensamos não existir outro caminho...