Como diz o povo “o que nasce torto tarde ou nunca se endireita”. Assim está o Plano de Pormenor do Vale da Rosa (PPVR), em má hora apelidado de “Nova Setúbal”. O recente “chumbo” do Ministro do Ambiente e as investigações da Policia Judiciária são só um reflexo de algo que, desde a sua origem, tem estado a correr mal. Convêm, por isso, relembrar alguns aspectos da sua história:
Em 2001, o dito PPVR, foi desenhado numa zona de expansão da cidade que agregava diversos usos para o seu solo – Plano Integrado de Setúbal, terrenos industriais e agrícolas - e tinha uma quantidade enorme de sobreiros protegidos por lei. A sua conversão em solo urbano estava, por isso, fortemente condicionada. Este facto impedia os proprietários de urbanizarem aqueles terrenos, praticamente todos nas mãos da mesma empresa. No entanto, a lei que os protege tem uma “brecha” de discricionariedade, “a declaração de imprescindível utilidade pública”. Que permite, a propósito desta, fazer o que se entender, respeitado um plano de replantação dos sobreiros abatidos.
O Vitória encontrava-se, então, como agora, isto é, como sempre em dificuldades económicas. Mas o então dirigente desportivo do clube, sujeito de vistas largas, defendia a sua sustentabilidade económica. Esta, na sua opinião, dependia da deslocalização do estádio actual para outra zona, libertando o terreno do Bonfim para a implantação de uma superfície comercial. A renda paga permitiria ao clube viver desafogadamente. Para sempre. O novo estádio, claro está, seria municipal – pago por todos nós – mas para uso exclusivo do Vitória. Bom negócio. Só faltava um passe de mágica.
Lembramos ainda que, entretanto, estava prevista a instalação da Co-incineração no Outão, liderada pelo então Ministro do Ambiente. As eleições Autárquicas aproximavam-se e Mata Cáceres, Presidente da Câmara à época, foi o mágico de serviço. Lembrou-se de juntar tudo isto, mais um pouco de força de vontade e influência politica e saiu este PPVR. Ao criar uma “cidade desportiva” de “imprescindível utilidade pública” numa assentada resolve dois problemas: os sobreiros e o novo estádio. Mas quem pagaria o novo “estádio municipal”? Todos nós. Através de um “Protocolo” com o principal proprietário que o construiria em troca da isenção das taxas municipais na respectiva urbanização. Perfeito, não?
Lembram as más-línguas que o estatuto de “imprescindível utilidade pública” nunca foi tão rápido a obter e que o PPVR não demorou mais que três semanas a desenhar. Convenhamos que foi um prenúncio de produtividade. Mas a pressa, como sabemos, é má conselheira e o projecto não é dos melhores.
Não obstante o esforço, Mata Cáceres perde para Carlos de Sousa, surgindo uma vaga esperança que, rapidamente, se esvai. No seu ímpeto de “participação” Carlos de Sousa realiza umas quantas sessões “públicas de trabalho”, como gosta de lhes chamar. Quer com a população quer com a Assembleia Municipal, para analisar este plano. Percebeu-se, entretanto, o seu único intuito: ganhar tempo e poder negocial com os diversos actores em presença. Mas esse poder serviu apenas para alterar o Protocolo. O PPVR, sem qualquer alteração, continuou pobrezinho como antes.
Apesar de todos estes aspectos terem sido denunciados, por nós e por outros, ao longo do tempo, os avisos não tiveram qualquer efeito. O PPVR, seguiu sem alterações. Mas, inesperadamente, novos factos surgiram em 2006, criando uma nova oportunidade para Setúbal. (continua)
Publicado hoje no Jornal de Setúbal (Segunda, 27/02/06)