sábado, julho 22

Feira de Santiago - morte ou regeneração

Hoje começa mais uma edição da Feira de Sant'iago em Setúbal. A propósito vamos realizar uma pequena reflexão sobre este evento como fenómeno urbano, Pela sua importância pensamos valer a pena,


Este Artigo foi publicado no "Sem Mais" Jornal em 5 de Agosto de 1999

Na altura a Feira ainda se realizava na Avenida Luisa Todi e Mata Cáceres era o presidente da Câmara de Setúbal de então.


Então como agora no essêncial continuamos a pensar o mesmo.



A Feira de Santiago está ai e com ela estão de volta todas as expectativas e desilusões que a acompanham ao longo dos últimos anos. A expectativa vem com a vontade que todos sentimos de ter uma feira que assuma a “centralidade” na vida da cidade e da região, a desilusão surge com a noção cada vez mais clara que a feira nos moldes em que se enquadra está numa fase de decadência.
Como sempre a feira apresenta-se com o mesmo “formato” e no mesmo “lugar”. Como sempre ouço falar na necessidade da sua mudança, mas curiosamente a primeira e mais frequente observação feita é sobre a mudança de lugar. Existe uma espécie de consenso na cidade em torno desta questão, quer na opinião pública que o exige há alguns anos, quer por parte dos poderes públicos que o prometem sem o realizar, como já este ano aconteceu.
Lamento ser desmancha prazeres, mas penso que a realizar-se esta mudança a Feira de Santiago, tal como a conhecemos, estará condenada à morte. E das duas uma: ou queremos uma Feira de dimensão urbana e regional ou queremos um sucedâneo do “Mercado da Xepa” com uns carroceis à mistura. Do meu ponto de vista prefiro primeiro e passo a explicar.
Hoje em dia existem, de uma forma geral, três tipos de feiras: as temáticas, as universais e as tradicionais.
Na primeira família podemos diferenciar as de feição mais actual por exemplo, as realizadas na FIL (Feira Internacional de Lisboa) subordinadas a vários temas, a ARCO em Madrid voltada para a arte contemporânea ou ainda um destes novíssimos parques temáticos como a EuroDisney e as mais antigas como a feira da Agricultura ou da Gastronomia em Santarém. Estas feiras tendem a realizar-se, pela natureza dos seus conteúdos temáticos, em recintos fechados, muitas das vezes cobertos e têm uma dimensão nacional ou mesmo internacional.
No segundo caso podemos facilmente apontar as feiras universais tipo “Expo” que pela proximidade da de Lisboa é fácil contextualizar. A sua vocação é claramente internacional.
Por último as feiras tradicionais que actualmente são um misto de diversão, “comes e bebes”, venda de produtos artesanais e quinquilharia. Algumas têm sectores de vendas especializadas tipo automóveis, motos ou maquinas pesadas agriculas ou industriais. Estas feiras estão normalmente associadas às festividades religiosas possuindo uma dimensão simbólica marcante no seu calendário anual. Nos últimos anos estas feiras/festas foram perdendo importância, fundamentalmente pela modificação e proliferação dos hábitos de consumo e de lazer, para não falar da redução da influência do seu papel religioso. Esta perda assentua-se nos grandes centros urbanos. A Feira de Santiago em Setúbal encontra-se nesta categoria.
Pela sua natureza este tipo de feiras, mesmo com algumas alterações/inovações, estão ligadas a um “lugar” realizando-se sempre num ponto estratégico dentro da urbe, ponto esse, a que se associa um cenário, natural ou urbano e que se assume como uma centralidade. No caso de Setúbal só a cidade antiga, a “baixa” tem esta dimensão. Se pensarmos em mudar o lugar da feira ela vai deixar de ser de toda a cidade passando a ser de bairro, independentemente do Bairro em que esta se venha a localizar. Vamos admitir que o destino provável é a Bela Vista e pergunto se a restante população da cidade ai se deslocaria? A consequência inevitável era a “ghetização” definitiva desta, com a sua consequente degradação. Perderia, assim uma das suas características principais, ser um dos poucos acontecimentos de integração e coesão social desta cidade. Porventura o mais abrangente e interclassista. Costumo, desde há muitos anos, comentar entre amigos que só na feira nós vemos toda a população setubalense e o seu verdadeiro retrato.
Por este conjunto de razões, penso que a mudança de “lugar” deve ser posta de parte restando analisar a sua mudança de “formato”. No entanto, surge a questão, esta feira apesar de se encontrar em fase descendente poderá ter alguma hipótese de regeneração? Penso que sim.
A Feira de Santiago existe como acontecimento municipal desde 9 de Junho de 1582, por alvará concedido por Filipe II de Espanha. Apesar de ter tido ao longo da sua existência uma importância variável é, talvez, o acontecimento urbano que à mais anos se realiza de forma continuada. A tradição não vale por si mas numa cidade constantemente á procura de factores de identidade e de pontos de referência que a distingam de uma área metropolitana, a que, com algum incomodo, pertencemos, não me parece de somenos importância.
O factor coesão social, já atrás falado, intimamente ligado á sua tradição, é um capital fortíssimo do qual não podemos abrir mão, e se já temos o evento basta saber reutilizá-lo. Não nos podemos esquecer que uma das nossas vocações enquanto cidade é o turismo e fundamentalmente o turismo urbano.
No futuro, penso que se deverá ligar este acontecimento às nossas riquezas endógenas o património natural, por isso julgo que a feira se devia estender ao rio, reconciliando a cidade com este e com as actividades deste dependentes, o porto e as actividades náuticas e piscatórias assim como na serra. Podia-se associar o tempo da feira a um campeonato nacional ou internacional ligado ao rio em colaboração com os clubes vocacionados para estas actividades.
O aspecto lúdico devia alterar-se deixando de estar inteiramente dependente dos “carrosseis”, que continuam a ter um grande fascínio entre as crianças, para se abrir às novas tecnologias (realidade virtual, por exemplo).
O espaço urbano ocupado pela feira deveria ser estruturado em função deste evento efémero mas funcionando na perfeição no restante espaço de tempo, o que não é de todo impossível, como é prova disso o ressinto da “Expo”. As feiras já não têm de ser no pó, essa realidade existe porque não a querem mudar (porque não fazer um concurso de ideias para o arranjo desse espaço).
Por último, um o programa musical reforçado, quer na musica popular quer na erudita, acompanhado por uma temporada de bailados da nossa Companhia de Dança Contemporânea assim como um festival gastronómico virado para os pratos de peixe, envolvendo a restauração de Setúbal numa competição saudável que só nos poderia beneficiar.
Aqui ficam lançados os primeiros argumentos para o debate. Agora é fundamental escolher: a morte ou a regeneração da Feira de Santiago.

Paulo Pisco

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