Saiu hoje no "Jornal de Setúbal "
Gostaríamos de começar por referir que fomos sempre muito cépticos em relação à mudança da Feira de Sant’iago para fora do centro da cidade. Mas admitíamos a hipótese de estar enganados, se fosse esse o caso. Três anos após a sua mudança para a zona das Manteigadas começamos a estar em condições de aferir se esta aposta foi, ou não, benéfica para Setúbal. No entanto, por melhor vontade que se tenha e qualquer que seja o ângulo de análise que se adopte, a mudança da Feira, parece-nos não ter constituído qualquer mais valia para a cidade. Passo a explicar.
Convém começar por relembrar os argumentos dados pela actual maioria camarária para justificar a mudança da Feira e estes foram:
A necessidade de realizar as obras do Polis, no Largo José Afonso, que serviu de pretexto prático para se mudar a localização tradicional da Feira. Uma nova localização oferecia a possibilidade de criar um espaço específico para feiras. Esta nova localização, no entender da Câmara, deveria ser num local amplo e livre, para não perturbar o normal funcionamento da cidade, ou seja, na sua periferia, surgindo assim a opção Manteigadas. Para legitimar toda esta operação só faltava uma ideia, a de criar, em parceria com a Associação de Empresários da região, um Parque de Exposições a gerir por uma nova associação “arranjada” para o efeito: a Associação Parque Santiago.
Mesmo só analisando estes argumentos, facilmente percebemos que esta aposta foi perdida. Vejamos. O anfiteatro do Largo José Afonso – para além da sua aparente inutilidade - não justificava a mudança da Feira, ela podia ter-se realizado, ainda que provisoriamente, noutras áreas ao longo da Avenida Luísa Todi e sua envolvente. A nova localização e o seu respectivo “Parque” justificava-se, no pressuposto da melhoria das condições objectivas em que esta decorria, mas nada disto se verificou. O espaço é pobre, mal amanhado, cheio de pó e de melgas, de topografia irregular, com maus acessos e deficiente estacionamento. A desculpa para tudo isto continua a ser o pouco dinheiro para a realização de infraestruturas. Mas isso já todos nós sabíamos antes de se terem tomado estas opções. A Câmara está sem capacidade financeira. Apesar disso, resolveu criar mais uma infraestrutura permanente gerida todo o ano por uma nova Associação que, naturalmente, tem os seus custos.
O que ganhou Setúbal e os setubalenses com estas opções? Um anfiteatro sem uso (e com custos) no Largo José Afonso, a Feira de Sant’iago marginalizada e transformada num arraial sem dimensão urbana para além de uma renda permanente em obras e despesas de manutenção/gestão com a Associação e o dito Parque.
No nosso entender, a Feira de Sant’iago constituía um dos últimos símbolos de identidade e factor de coesão social, da cidade de Setúbal. Deveria por isso seguir outro caminho. Existe como acontecimento municipal desde 9 de Junho de 1582, por alvará concedido por Filipe II de Espanha. Apesar de ter tido, ao longo da sua existência, uma importância variável é talvez o acontecimento urbano que há mais anos se realiza de forma continuada. A tradição não vale por si mas numa cidade constantemente à procura de factores de identidade e de pontos de referência que a distingam de uma área metropolitana, a que, com algum incómodo, pertence, não nos parece de somenos importância.
O factor coesão social, intimamente ligado à sua tradição, é um capital fortíssimo do qual não podemos abrir mão. Se já temos o evento basta saber reutilizá-lo. Não nos podemos esquecer que uma das nossas vocações enquanto cidade é o turismo e fundamentalmente o turismo urbano. Em torno da Feira, quando realizada no centro de Setúbal, reunia-se como em nenhum outro evento urbano toda a cidade. Da criança ao velho, do integrado ao excluído, do Viso à Bela Vista. Para além ser um evento de atracção a nível regional. Tudo isto não é pouco numa cidade que tem vindo a “sub urbanizar-se” e a perder, consequentemente, identidade. Por isso fomos contra esta mudança. Embora reconhecendo que a nossa Feira tinha de mudar e evoluir mas noutro sentido. Nos últimos anos estas “festas” foram perdendo importância, fundamentalmente pela modificação e proliferação dos hábitos de consumo e de lazer e na redução da influência do seu papel religioso. No entanto, evoluir não é destruir o essencial, é mudar o acessório.
No futuro, pensamos que se deverá ligar este acontecimento às nossas riquezas endógenas: o património natural e construído. Por isso julgo que a feira se devia estender ao rio, reconciliando a baixa da cidade com este e com as actividades deste dependentes - o porto, as actividades náuticas e piscatórias - assim como com a Serra da Arrábida. Podia-se associar o tempo da feira a um campeonato nacional ou internacional ligado ao rio em colaboração com os clubes vocacionados para estas actividades. O aspecto lúdico devia alterar-se deixando de estar inteiramente dependente dos “carrosséis”, que continuam a ter um grande fascínio entre as crianças, para se abrir às novas tecnologias (realidade virtual, por exemplo).
O espaço urbano, ocupado pela feira, deveria ser estruturado em função deste evento efémero mas funcionando na perfeição no restante espaço de tempo, o que não é de todo impossível, como prova o recinto da “Expo98”. Não constituindo uma despesa fixa, sem uso o resto do ano, mas um espaço público sempre disponível ao cidadão. O Polis deveria ter incorporado isto no seu Plano Estratégico e consequentemente no seu Plano de Pormenor.
As feiras de hoje já não podem de ser no pó. Devem ter bons acessos e contribuir para a revitalização dos centros urbanos. A nossa, podia ser simultaneamente organizada ao ar livre e em espaços cobertos – aproveitando alguns dos edifícios portuários sem uso – onde se poderiam associar actividades de natureza diversa, mas em que o fio condutor era generalista e popular.
Estes são alguns aspectos da Feira que desejávamos ter, mas nas actuais circunstâncias, resta-nos rezar a Sant’iago.
9 comentários:
Passei por aqui só para te dizer que não concordo com nada do que escreveste neste texto.
pedro
Volta sempre...
Só quero dizer que concordo em pleno! Para mim a feira morreu no dia em que mudou de sítio... ainda nem pus os pés no novo recinto!
Gostava ainda de deixar mais uma ideia, a juntar a tudo de negativo que a feira tem, estão ainda os exagerados preços praticados pelos feirantes. Para mim feira é sinónimo de coisas baratas e acessíveis a todos, o que nao acontece hoje em dia, pois, se uma familia for comer uns frangos assados paga mais que em muitos restaurantes e ainda tem de os levar para a mesa!!!
Realmente criar um local próprio e novo, para um recinto de feira e verificar que este está mal dimensionado, de funcionalidade deficiênte, "cheio de pó e mosquitos" é de criticar!
Mesmo passados já 3 anos da sua abertura e continuar a ter um recinto com alcatrão só em determinados pontos e ter o resto com pó e pedras rolantes debaixo dos pés é de bradar aos céus! já era tempo de resolver as coisas como deve ser.
Resumindo: também não gosto desta feira.
Concordo com a ideia do Paulo Pisco relativamente à relação com o rio e a realização de eventos náuticos!
Já não concordo com a crítica à intervenção no parque das escolas, pois esta não se limitou somente ao tal "palco inútil", mas a muito mais como é visível.
Quanto a palcos, espero que NUNCA MAIS alguém com responsabilidades nesta cidade se lembre de o amontoar junto ao convento de Jesus! Pelo menos isso!
O que aborrece é que em relação ao programa Polis as coisas andam irritantemente muito devagar.
Paulo Pisco:
Para quando uma intervenção tua no Notícias de Setúbal e neste blog sobre a situação vergonhosa do Convento de Jesus e sua "zona envolvente"?
Esperemos que em breve.
Desculpem lá a insistencia, mas será que ninguém fala do preço dos frangos???
Se estás chateado vai comer ao Isidro!
Gostei muito do artigo e concordo com muitos dos aspectos aí referidos.
Agora - Julho de 2008 - vem a questão da Associação do Parque Santiago ter saldo negativo de 800.000 Euros.
Este país não tem hipótese ! ...
Ninguém tem mão nisto.
Uma tristeza.
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