segunda-feira, julho 24

A Feira que (não) desejámos


Saiu hoje no "Jornal de Setúbal "



Gostaríamos de começar por referir que fomos sempre muito cépticos em relação à mudança da Feira de Sant’iago para fora do centro da cidade. Mas admitíamos a hipótese de estar enganados, se fosse esse o caso. Três anos após a sua mudança para a zona das Manteigadas começamos a estar em condições de aferir se esta aposta foi, ou não, benéfica para Setúbal. No entanto, por melhor vontade que se tenha e qualquer que seja o ângulo de análise que se adopte, a mudança da Feira, parece-nos não ter constituído qualquer mais valia para a cidade. Passo a explicar.

Convém começar por relembrar os argumentos dados pela actual maioria camarária para justificar a mudança da Feira e estes foram:
A necessidade de realizar as obras do Polis, no Largo José Afonso, que serviu de pretexto prático para se mudar a localização tradicional da Feira. Uma nova localização oferecia a possibilidade de criar um espaço específico para feiras. Esta nova localização, no entender da Câmara, deveria ser num local amplo e livre, para não perturbar o normal funcionamento da cidade, ou seja, na sua periferia, surgindo assim a opção Manteigadas. Para legitimar toda esta operação só faltava uma ideia, a de criar, em parceria com a Associação de Empresários da região, um Parque de Exposições a gerir por uma nova associação “arranjada” para o efeito: a Associação Parque Santiago.

Mesmo só analisando estes argumentos, facilmente percebemos que esta aposta foi perdida. Vejamos. O anfiteatro do Largo José Afonso – para além da sua aparente inutilidade - não justificava a mudança da Feira, ela podia ter-se realizado, ainda que provisoriamente, noutras áreas ao longo da Avenida Luísa Todi e sua envolvente. A nova localização e o seu respectivo “Parque” justificava-se, no pressuposto da melhoria das condições objectivas em que esta decorria, mas nada disto se verificou. O espaço é pobre, mal amanhado, cheio de pó e de melgas, de topografia irregular, com maus acessos e deficiente estacionamento. A desculpa para tudo isto continua a ser o pouco dinheiro para a realização de infraestruturas. Mas isso já todos nós sabíamos antes de se terem tomado estas opções. A Câmara está sem capacidade financeira. Apesar disso, resolveu criar mais uma infraestrutura permanente gerida todo o ano por uma nova Associação que, naturalmente, tem os seus custos.
O que ganhou Setúbal e os setubalenses com estas opções? Um anfiteatro sem uso (e com custos) no Largo José Afonso, a Feira de Sant’iago marginalizada e transformada num arraial sem dimensão urbana para além de uma renda permanente em obras e despesas de manutenção/gestão com a Associação e o dito Parque.
No nosso entender, a Feira de Sant’iago constituía um dos últimos símbolos de identidade e factor de coesão social, da cidade de Setúbal. Deveria por isso seguir outro caminho. Existe como acontecimento municipal desde 9 de Junho de 1582, por alvará concedido por Filipe II de Espanha. Apesar de ter tido, ao longo da sua existência, uma importância variável é talvez o acontecimento urbano que há mais anos se realiza de forma continuada. A tradição não vale por si mas numa cidade constantemente à procura de factores de identidade e de pontos de referência que a distingam de uma área metropolitana, a que, com algum incómodo, pertence, não nos parece de somenos importância.
O factor coesão social, intimamente ligado à sua tradição, é um capital fortíssimo do qual não podemos abrir mão. Se já temos o evento basta saber reutilizá-lo. Não nos podemos esquecer que uma das nossas vocações enquanto cidade é o turismo e fundamentalmente o turismo urbano. Em torno da Feira, quando realizada no centro de Setúbal, reunia-se como em nenhum outro evento urbano toda a cidade. Da criança ao velho, do integrado ao excluído, do Viso à Bela Vista. Para além ser um evento de atracção a nível regional. Tudo isto não é pouco numa cidade que tem vindo a “sub urbanizar-se” e a perder, consequentemente, identidade. Por isso fomos contra esta mudança. Embora reconhecendo que a nossa Feira tinha de mudar e evoluir mas noutro sentido. Nos últimos anos estas “festas” foram perdendo importância, fundamentalmente pela modificação e proliferação dos hábitos de consumo e de lazer e na redução da influência do seu papel religioso. No entanto, evoluir não é destruir o essencial, é mudar o acessório.
No futuro, pensamos que se deverá ligar este acontecimento às nossas riquezas endógenas: o património natural e construído. Por isso julgo que a feira se devia estender ao rio, reconciliando a baixa da cidade com este e com as actividades deste dependentes - o porto, as actividades náuticas e piscatórias - assim como com a Serra da Arrábida. Podia-se associar o tempo da feira a um campeonato nacional ou internacional ligado ao rio em colaboração com os clubes vocacionados para estas actividades. O aspecto lúdico devia alterar-se deixando de estar inteiramente dependente dos “carrosséis”, que continuam a ter um grande fascínio entre as crianças, para se abrir às novas tecnologias (realidade virtual, por exemplo).
O espaço urbano, ocupado pela feira, deveria ser estruturado em função deste evento efémero mas funcionando na perfeição no restante espaço de tempo, o que não é de todo impossível, como prova o recinto da “Expo98”. Não constituindo uma despesa fixa, sem uso o resto do ano, mas um espaço público sempre disponível ao cidadão. O Polis deveria ter incorporado isto no seu Plano Estratégico e consequentemente no seu Plano de Pormenor.
As feiras de hoje já não podem de ser no pó. Devem ter bons acessos e contribuir para a revitalização dos centros urbanos. A nossa, podia ser simultaneamente organizada ao ar livre e em espaços cobertos – aproveitando alguns dos edifícios portuários sem uso – onde se poderiam associar actividades de natureza diversa, mas em que o fio condutor era generalista e popular.
Estes são alguns aspectos da Feira que desejávamos ter, mas nas actuais circunstâncias, resta-nos rezar a Sant’iago.

9 comentários:

Anónimo disse...

Passei por aqui só para te dizer que não concordo com nada do que escreveste neste texto.

pedro

paulo pisco disse...

Volta sempre...

Anónimo disse...

Só quero dizer que concordo em pleno! Para mim a feira morreu no dia em que mudou de sítio... ainda nem pus os pés no novo recinto!

Gostava ainda de deixar mais uma ideia, a juntar a tudo de negativo que a feira tem, estão ainda os exagerados preços praticados pelos feirantes. Para mim feira é sinónimo de coisas baratas e acessíveis a todos, o que nao acontece hoje em dia, pois, se uma familia for comer uns frangos assados paga mais que em muitos restaurantes e ainda tem de os levar para a mesa!!!

Anónimo disse...

Realmente criar um local próprio e novo, para um recinto de feira e verificar que este está mal dimensionado, de funcionalidade deficiênte, "cheio de pó e mosquitos" é de criticar!
Mesmo passados já 3 anos da sua abertura e continuar a ter um recinto com alcatrão só em determinados pontos e ter o resto com pó e pedras rolantes debaixo dos pés é de bradar aos céus! já era tempo de resolver as coisas como deve ser.
Resumindo: também não gosto desta feira.

Concordo com a ideia do Paulo Pisco relativamente à relação com o rio e a realização de eventos náuticos!
Já não concordo com a crítica à intervenção no parque das escolas, pois esta não se limitou somente ao tal "palco inútil", mas a muito mais como é visível.
Quanto a palcos, espero que NUNCA MAIS alguém com responsabilidades nesta cidade se lembre de o amontoar junto ao convento de Jesus! Pelo menos isso!
O que aborrece é que em relação ao programa Polis as coisas andam irritantemente muito devagar.

Anónimo disse...

Paulo Pisco:
Para quando uma intervenção tua no Notícias de Setúbal e neste blog sobre a situação vergonhosa do Convento de Jesus e sua "zona envolvente"?

paulo pisco disse...

Esperemos que em breve.

Anónimo disse...

Desculpem lá a insistencia, mas será que ninguém fala do preço dos frangos???

Anónimo disse...

Se estás chateado vai comer ao Isidro!

Anónimo disse...

Gostei muito do artigo e concordo com muitos dos aspectos aí referidos.
Agora - Julho de 2008 - vem a questão da Associação do Parque Santiago ter saldo negativo de 800.000 Euros.
Este país não tem hipótese ! ...
Ninguém tem mão nisto.
Uma tristeza.