Vivemos numa região com grande potencial. Mas apesar do seu inquestionável valor paisagístico e ambiental, da sua costa litoral de grande qualidade e de estarmos inseridos na região portuguesa com maior rendimento per capita , a Área Metropolitana de Lisboa (AML), existe um problema estrutural que necessitamos enfrentar. Mesmo como capital de distrito, a cidade e o concelho de Setúbal apresentam um conjunto de indicadores ao nível da sua população, das suas condições sócio-económicas e educacionais, muito pouco animadores. Qual a razão? O seu perfil populacional está cada vez mais desadequado ao modelo económico, social e cultural do espaço geográfico e politico onde estamos inseridos: a Europa e o designado mundo ocidental.
A origem desta realidade está no tipo de desenvolvimento económico que a cidade e o concelho têm tido. Durante o último século assistimos a um aumento populacional considerável, o concelho passou de cerca de 25.000 habitantes, em 1900, para 114.000, em 2001, fruto de: duas vagas de industrialização, que apostaram em mão-de-obra intensiva, pouco qualificada e de baixo custo e também de uma descolonização apressada que, conjuntamente, com um contexto político e económico de nacionalização dos grandes “elefantes brancos”, prolongou, para além do razoável, um modelo há muito esgotado.
A concentração de uma população muito heterogénea, desenraizada e com pouca capacidade de reconversão laboral, criou um caldo de cultura deprimido, reivindicativo e avesso à mudança. A orfandade ideológica provocada pelos “amanhãs que deixaram de cantar” provocado pelos anos 80, onde se iniciou um processo de modernização e integração do país na “Europa”, acentuou, de forma mais evidente, os equívocos em que Setúbal estava mergulhada. Um conjunto largo da população mostrou-se desadaptado perante esta nova realidade, caindo rapidamente na dependência estrutural que o “estado social” fomentou. A concentração de uma faixa da população com maior fragilidade social, em certas zonas da cidade, tornou esta espiral depressiva mais difícil de resolver.
Por tudo isto, o fenómeno do desemprego é, aqui, mais sentido do que noutras zonas do país. No entanto, não é procurando proteger emprego desqualificado que vamos melhorar a situação. A solução é apostar na capacidade de adaptação laboral da nossa população. Para que esta tenha melhores empregos e por consequência melhor qualidade de vida. Uma das apostas é reconverter trabalhadores desadaptados em trabalhadores mais qualificados, outra é qualificar os jovens em idade escolar, para que estes tenham, à partida, melhores empregos e no caso de os perderem, poderem adaptar-se facilmente a outro. A primeira é uma intervenção de curto prazo e a segunda de médio e longo prazo. Mas ambas têm de começar a ser implementadas já.
O relatório Education at a Glance 2006, da OCDE, defende que o acesso a uma boa educação e formação é "central" para o bem-estar económico e social dos Estados e das pessoas.Com um bom nível de educação temos meio caminho andado para obter um bom emprego ou pelo menos por mais tempo. As taxas de emprego sobem à medida que as populações têm níveis de formação mais altos. É na educação e qualificação que é necessário apostar para combater o desemprego ou o emprego desqualificado. E não na protecção excessiva do mau emprego ou no alargamento da dependência social do Estado.
Assim, não é só para as crianças e jovens que o sistema de formação e ensino tem que encontrar respostas, mas também para os adultos que se queiram qualificar. Não só através da formação profissional mas também através do regresso à educação dita formal. Sim os nossos adultos têm de voltar à escola e a aposta numa (re) qualificação constante tem de ser encarada como uma actividade de mérito mas habitual. No caso português é fundamental conseguir vencer esta aposta, pois somos o último país da lista nas qualificações da população adulta (entre os 25-64) de acordo com o mesmo relatório da OCDE. O México e a Turquia são o penúltimo e antepenúltimo lugares - países onde, tal como no nosso, mais de metade deste escalão etário não completou o secundário. No topo da escala surge a Noruega, onde a permanência média no sistema educativo é de quase 14 anos.
Em Setúbal, com baixos indicadores escolares - comparativamente com a AML e com as cidades da sua dimensão e relevância - este desígnio é ainda mais importante para sair da espiral depressiva em que se encontra. A responsabilidade de o ganhar cabe a todos. No entanto, os poderes públicos têm particular responsabilidade em abrir caminho, criando condições para que todos possam cumprir a sua responsabilidade. A Carta Educativa, actualmente em discussão, pode ser um instrumento essencial para se atingir este objectivo. Falaremos dela num próximo artigo.
Publicado hoje no Jornal de Setúbal