Durante a última semana várias noticias e artigos de opinião sublinharam a suspeita que temos, de alguns anos a esta parte, que um novo conflito politico e social se pré anuncia.
O INE informou que atingimos em Portugal o número mais baixo de nascimentos desde que existem registos. Tendo esta tendência sido muito acentuada nos últimos anos. Este número é, quanto a nós, reflexo de uma mudança acelerada e profunda que a sociedade portuguesa atravessa. Esta tendência, generalizada na Europa, é, agora mais acentuada entre nós. Porquê?
Existirão, com certeza, várias razões para justificar esse fenómeno mas é na dificuldade em vislumbrar expectativas “positivas de vida” que poderemos encontrar boa parte da explicação. Quem não acredita no futuro, dificilmente encontra motivos para o prolongar. E ter filhos é também um sinal de esperança. De vontade de prolongar a nossa existência. O que parece estar a deixar de existir. Até porque as novas gerações vão ter um encargo crescente não com os filhos mas com os pais, ainda que não directamente mas de forma indirecta.
As novas gerações vivem um problema complicado e de tipo novo. Mais exigentes e individualistas vêm-se “entaladas” num mundo desigual. Com maior instrução que a geração que os precedeu vem a sua expectativa de vida muito diminuída. Vivem num território mais desarticulado, perdem mais tempo em transportes, não têm perspectivas a longo prazo, o que torna a sua vida menos previsível, sendo obrigados a trabalhar mais e por menos dinheiro. Os laços familiares e conjugais também já deixaram de ser valores seguros. Ambicionam a mesma segurança que os seus pais tiveram mas percebem que não é possível voltar para trás. O mundo hoje está diferente, mais pequeno e outras regiões do globo também querem viver “tão bem” como nós. E isso gera uma forte competição, que aparentemente não irá diminuir, antes pelo contrário.
E tudo isto acontece ao mesmo tempo que a “geração instalada” - como lhe chamou o Editorial do Expresso do último Sábado - dos seus pais e avós, vive numa situação relativamente confortável. Com empregos inamovíveis ou reformada precocemente está com muitos anos de vida pela frente e sem estar disposta a “perder” nada do que lhes foi prometido. Os famosos “direitos adquiridos”. Tudo isto é recente em Portugal o que torna, entre nós, a sua percepção mais aguda.
Esta desigualdade geracional pode vir a tornar-se num dos grandes conflitos futuros. As novas gerações vão ter cada vez mais a percepção que têm a suas carreira profissionais condicionadas ou mesmo fechadas. Sem qualquer perspectiva de reforma e em perda crescente de “direitos sociais” vão sentir que estão a pagar excessivamente o bem-estar de outros. Com a previsível perda dos vínculos geracionais de entre ajuda – de pais para filhos – vai-se acentuar a noção de desigualdade. O mito da eterna juventude que graça numa sociedade cada vez mais envelhecida está a gerar hábitos diferentes nesta população. Com maior poder aquisitivo e mais saúde por mais anos, os novos velhos tendem a estar mais centrados nos seus próprios objectivos e menos nos dos filhos e netos dos quais cada vez menos dependem. A inversão da pirâmide etária vai agudizar o problema. Em democracia a maioria ganha. E a maioria cada vez mais velha vai tornar mais difícil qualquer mudança. Ninguém quer perder o que já tem.
Toda esta conjuntura pode ser o gérmen do conflito de tipo novo que referimos inicialmente, agora já não entre classes sociais mas entre gerações. Mas onde a diferença de idades não reflecte qualquer mudança cultural ou ideológica – como no Maio de 68 – mas apenas a necessidade de sobreviver em condições de relativa igualdade.
Com esta percepção do mundo, da espécie e da família “arriscar” ter filhos não é decisão fácil e por isso cada vez são menos os que a tomam. Será natural? Talvez, mas aumenta o problema. Menos filhos é sempre igual a mais velhos.