sábado, agosto 31

Porque devem a cidade e a escola trabalhar em conjunto?*

ou como o urbanismo escolar pode ser importante para Setúbal.

* publicado dia 31 de Agosto no Sem Mais Jornal - Semanário Expresso (encarte no distrito de Setúbal)



Quem vive e usa a cidade, percebe que a escola tem um enorme impacto na sua vida. Mas poucos identificam a extensão dos seus efeitos e a importância desta no seu quotidiano. Podemos garantir que estes vão muito para além da sua dimensão educativa.

 A aprendizagem, relevante para a competitividade das pessoas e dos territórios, não esgota a relação entre a cidade e a escola. Do tráfego ao ambiente, passando pela prevenção do risco ou pela geração da diversidade económica e social, esta é estruturante para ambos os sistemas (urbano e escolar). No entanto, não é percecionada e potenciada como devia. Ao estudo e operacionalização desta relação chamámos urbanismo escolar (UE). Este domínio do saber também contempla o planeamento urbano e escolar onde se deram passos significativos nos últimos anos com a carta escolar.

Neste artigo pretendemos clarificar a relevância do seu estudo e tornar evidente a urgência da sua operacionalização. O contexto atual, onde se enfrentam “ajustamentos” vários, dos económicos aos demográficos, exige-o.

Mas vamos apenas focar três dimensões (das diversas estudadas pelo UE) para sublinhar a importância que a relação entre a cidade e a escola em Setúbal. Identificando, através de indicadores, aspetos centrais envolvidos e propondo ou questionando algumas “verdades” adquiridas. São elas: i) a diversidade (socioeconómica); ii) a mobilidade; iii) a segurança.


i) A diversidade é apontada quer pelo urbanismo quer pelas ciências da educação como uma das vantagens a promover pelas cidades quer pelas escolas. No entanto, na década de noventa (Censos, INE, 1991 e 2001), registou-se uma maior segregação residencial ao nível socioeconómico em Setúbal. Ou seja, os mais habilitados e abastados, vivem mais segregados dos com menores rendimentos e com nível educacional mais baixo, diminuído a diversidade residencial em Setúbal. O planeamento urbano não está isento de responsabilidades pois desde o Estado Novo que segmentou o território, primeiro a propósito de uma visão corporativa (zona central para a burguesia urbana e operariado especializado, zona nascente para operários indiferenciados e poente para os pescadores) depois com a enorme concentração de habitação “social” para receber o planeado “fomento” industrial da Mitrena de que o plano integrado de Setúbal (PIS) é a sua maior expressão. Com a mudança de regime este transformou-se em alojamento definitivo para “retornados”, primeiro e, nas últimas décadas, para todos os que necessitavam de teto e não tinham como o conseguir. A expansão imobiliária potenciada pelo crédito fácil e pouco ou nada regulada pela administração municipal consentiu o aprofundamento desta tendência, que sem ser grave se acentuou. A expansão da rede escolar respondeu à procura mas veio trazer para o interior da escola a “especialização” socioeconómica sentida no território. Estando o desempenho dos alunos mais dependente da composição escolar (qualidade dos alunos e suas famílias) do que das qualidades intrínsecas da escola (equipamentos e professores), é natural que os resultados escolares se tenham vindo a tornar díspares. Como de resto os Rankings têm constatado (e acentuado). A política de habitação é, por isso, política educativa e o planeamento da cidade e da escola deve ter este aspeto em conta, particularmente nas áreas de reabilitação urbana a levar a cabo nos próximos anos.

ii) Por outro lado, a mobilidade também é fortemente condicionada pela rede escolar. Basta verificar a diferença de tráfego na cidade durante as férias letivas. O modo de transporte escolhido no percurso casa-escola condiciona a acessibilidade urbana assim como a saúde e bem-estar das crianças e os seus hábitos como futuros adultos. Para além da sua relação como cidadãos com o espaço urbano. Em Setúbal, não é diferente. É em torno das escolas dos bairros centrais (Bocage e Sebastião da Gama/Aranguês) que mais se sente o congestionamento, apesar do melhor desenho urbano. E é no agrupamento de Santiago (Bela Vista) onde maior percentagem de alunos se desloca a pé (75,3%). Sendo importante a densidade urbana pois é em Azeitão, onde esta é menor, que mais alunos se deslocam de transporte (83%) com acréscimo de custos crescente, quer para a autarquia quer para as famílias. Em 2008 (EPIS) no 3ºCiclo já eram minoritários os alunos que se deslocavam a pé para a escola. É por isso urgente mudar o rumo, criando urbanidade na envolvente das escolas, tornando os caminhos para escola seguros e apelativos para os modos de transporte suaves e o ir para a escola a pé fashion para os alunos e suas famílias, tornando mais sustentáveis o ambiente, a saúde e as finanças locais e familiares.

iii) Em termos de segurança verificamos que em Setúbal as ocorrências criminais (PSP,2005 a 2009) se deram mais no interior das escolas com 3ºCiclo do que fora desta. Neste último caso é na sua envolvente imediata que ocorrem mais incidentes, sendo residuais no percurso casa-escola. Mas curiosamente é nas escolas centrais que mais roubos se verificam nas suas imediações. Os alunos com maior estatuto socioeconómico atraem assaltantes, na maioria, provenientes de outros bairros. Colocando em causa a eficácia da segregação territorial e escolar. Outro dado importante em Setúbal é a perceção dos alunos de 3ºCiclo (EPIS, 2008) quando questionados sobre se existia violência nas suas escolas. Mais de metade (63%) respondeu afirmativamente a esta pergunta, considerando a envolvente imediata da escola menos violenta (42%) e o caminho casa-escola não o ser (13%). Destes 98,6% considera que esta violência se manifesta, essencialmente, entre pares. O interior da escola e a sua envolvente imediata parecem ser mais perigosos quer na perceção dos alunos quer no número de ocorrências relativamente à restante cidade. Urge perguntar se segregar funcionalmente a escola (muro) continuará a fazer sentido, quando o seu interior parece ser mais violento para os alunos que o espaço urbano que a circunda? Não contribuirá esta segregação para uma menor urbanidade na cidade e na escola?

A cidade e a escola devem por isso trabalhar mais em conjunto no planeamento e na gestão dos territórios educativos. Estas e outras dimensões deverão ser equacionadas e experimentadas sem preconceitos para potenciar de forma positiva e criativa a relação da cidade com a escola. Numa região com tão grandes potencialidades, Setúbal necessita ultrapassar uma das suas maiores debilidades: o fraco capital humano. Requalificar o espaço e as pessoas assume-se como um fator crítico para aumentar a sua competitividade e integração num mundo globalizado. O urbanismo escolar poderá ser uma ferramenta importante para alcançar esse objetivo.


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