ou como o urbanismo
escolar pode ser importante para Setúbal.
Quem vive e
usa a cidade, percebe que a escola tem um enorme impacto na sua vida. Mas
poucos identificam a extensão dos seus efeitos e a importância desta no seu
quotidiano. Podemos garantir que estes vão muito para além da sua dimensão
educativa.
A aprendizagem, relevante para a
competitividade das pessoas e dos territórios, não esgota a relação entre a
cidade e a escola. Do tráfego ao ambiente, passando pela prevenção do risco ou
pela geração da diversidade económica e social, esta é estruturante para ambos
os sistemas (urbano e escolar). No entanto, não é percecionada e potenciada
como devia. Ao estudo e operacionalização desta relação chamámos urbanismo
escolar (UE). Este domínio do saber também contempla o planeamento urbano e
escolar onde se deram passos significativos nos últimos anos com a carta
escolar.
Neste artigo
pretendemos clarificar a relevância do seu estudo e tornar evidente a urgência
da sua operacionalização. O contexto atual, onde se enfrentam “ajustamentos”
vários, dos económicos aos demográficos, exige-o.
Mas vamos
apenas focar três dimensões (das diversas estudadas pelo UE) para sublinhar a importância
que a relação entre a cidade e a escola em Setúbal. Identificando, através de
indicadores, aspetos centrais envolvidos e propondo ou questionando algumas
“verdades” adquiridas. São elas: i) a
diversidade (socioeconómica); ii) a
mobilidade; iii) a segurança.
i) A diversidade é apontada quer pelo urbanismo quer pelas
ciências da educação como uma das vantagens a promover pelas cidades quer pelas
escolas. No entanto, na década de noventa (Censos, INE, 1991 e 2001),
registou-se uma maior segregação residencial ao nível socioeconómico em
Setúbal. Ou seja, os mais habilitados e abastados, vivem mais segregados dos
com menores rendimentos e com nível educacional mais baixo, diminuído a
diversidade residencial em Setúbal. O planeamento urbano não está isento de
responsabilidades pois desde o Estado Novo que segmentou o território, primeiro
a propósito de uma visão corporativa (zona central para a burguesia urbana e
operariado especializado, zona nascente para operários indiferenciados e poente
para os pescadores) depois com a enorme concentração de habitação “social” para
receber o planeado “fomento” industrial da Mitrena de que o plano integrado de
Setúbal (PIS) é a sua maior expressão. Com a mudança de regime este transformou-se
em alojamento definitivo para “retornados”, primeiro e, nas últimas décadas,
para todos os que necessitavam de teto e não tinham como o conseguir. A
expansão imobiliária potenciada pelo crédito fácil e pouco ou nada regulada
pela administração municipal consentiu o aprofundamento desta tendência, que
sem ser grave se acentuou. A expansão da rede escolar respondeu à procura mas
veio trazer para o interior da escola a “especialização” socioeconómica sentida
no território. Estando o desempenho dos alunos mais dependente da composição
escolar (qualidade dos alunos e suas famílias) do que das qualidades
intrínsecas da escola (equipamentos e professores), é natural que os resultados
escolares se tenham vindo a tornar díspares. Como de resto os Rankings têm constatado (e acentuado). A
política de habitação é, por isso, política educativa e o planeamento da cidade
e da escola deve ter este aspeto em conta, particularmente nas áreas de
reabilitação urbana a levar a cabo nos próximos anos.
ii) Por outro lado, a mobilidade também é fortemente condicionada
pela rede escolar. Basta verificar a diferença de tráfego na cidade durante as
férias letivas. O modo de transporte escolhido no percurso casa-escola
condiciona a acessibilidade urbana assim como a saúde e bem-estar das crianças
e os seus hábitos como futuros adultos. Para além da sua relação como cidadãos
com o espaço urbano. Em Setúbal, não é diferente. É em torno das escolas dos
bairros centrais (Bocage e Sebastião da Gama/Aranguês) que mais se sente o
congestionamento, apesar do melhor desenho urbano. E é no agrupamento de
Santiago (Bela Vista) onde maior percentagem de alunos se desloca a pé (75,3%).
Sendo importante a densidade urbana pois é em Azeitão, onde esta é menor, que
mais alunos se deslocam de transporte (83%) com acréscimo de custos crescente,
quer para a autarquia quer para as famílias. Em 2008 (EPIS) no 3ºCiclo já eram
minoritários os alunos que se deslocavam a pé para a escola. É por isso urgente
mudar o rumo, criando urbanidade na envolvente das escolas, tornando os
caminhos para escola seguros e apelativos para os modos de transporte suaves e
o ir para a escola a pé fashion para
os alunos e suas famílias, tornando mais sustentáveis o ambiente, a saúde e as
finanças locais e familiares.
iii) Em termos de segurança verificamos que em Setúbal as
ocorrências criminais (PSP,2005 a 2009) se deram mais no interior das escolas
com 3ºCiclo do que fora desta. Neste último caso é na sua envolvente imediata
que ocorrem mais incidentes, sendo residuais no percurso casa-escola. Mas
curiosamente é nas escolas centrais que mais roubos se verificam nas suas imediações.
Os alunos com maior estatuto socioeconómico atraem assaltantes, na maioria,
provenientes de outros bairros. Colocando em causa a eficácia da segregação
territorial e escolar. Outro dado importante em Setúbal é a perceção dos alunos
de 3ºCiclo (EPIS, 2008) quando questionados sobre se existia violência nas suas
escolas. Mais de metade (63%) respondeu afirmativamente a esta pergunta,
considerando a envolvente imediata da escola menos violenta (42%) e o caminho
casa-escola não o ser (13%). Destes 98,6% considera que esta violência se
manifesta, essencialmente, entre pares. O interior da escola e a sua envolvente
imediata parecem ser mais perigosos quer na perceção dos alunos quer no número
de ocorrências relativamente à restante cidade. Urge perguntar se segregar funcionalmente
a escola (muro) continuará a fazer sentido, quando o seu interior parece ser
mais violento para os alunos que o espaço urbano que a circunda? Não
contribuirá esta segregação para uma menor urbanidade na cidade e na escola?
A cidade e a
escola devem por isso trabalhar mais em conjunto no planeamento e na gestão dos
territórios educativos. Estas e outras dimensões deverão ser equacionadas e experimentadas
sem preconceitos para potenciar de forma positiva e criativa a relação da
cidade com a escola. Numa região com tão grandes potencialidades, Setúbal
necessita ultrapassar uma das suas maiores debilidades: o fraco capital humano.
Requalificar o espaço e as pessoas assume-se como um fator crítico para
aumentar a sua competitividade e integração num mundo globalizado. O urbanismo
escolar poderá ser uma ferramenta importante para alcançar esse objetivo.
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