terça-feira, outubro 31

Algumas considerações sobre o Aborto



O actual referendo sobre o Aborto levanta-nos os seguintes comentários eventualmente desconexos, mas sentidos e reflectidos:

Este assunto poderia e deveria ser resolvido na Assembleia da Republica. Existem diversas propostas na mesa para que assim seja. Mais à esquerda ou mais à direita mas fundamentalmente ao centro. São os extremos político partidários que mais reclamam a realização deste referendo.

As pessoas moderadas, com experiência de vida e com uma consciência profunda da natureza humana e das contradições entre o desejo e a realidade sabem que este assunto é, no mínimo controverso. Votar num sentido ou noutro é sempre, de alguma forma votar sempre contra uma parte de nós.

Ao longo do último referendo falamos com muitas pessoas sobre este assunto e notámos um grande incómodo na sua abordagem. Muitas delas, quanto mais se falava, menos vontade tinham de votar. Se bem nos recordamos, também então, as sondagens pela despenalização do Aborto eram maiores. No entanto, o resultado foi o que se viu.

Concordamos com a opinião expressa por D. José Policarpo, a sociedade não vai superar os 50% de participação neste referendo. Quanto mais se falar mais aumentará a abstenção.

Não parece ser útil a ninguém, este referendo. A não ser aos extremistas ou aos que querem “um tira teimas” em relação ao último "não". E ainda ao Eng. Sócrates que mantém a malta distraida durante uns tempos.

Por isto tudo parece-nos desnecessário.

Mas e então e o pensamos nós sobre o Aborto?

Devemos dizer que evoluímos nesta matéria. E o facto de nos termos tornado pais, entretanto, não é um facto de somenos importância. Hoje em dia somos, fundamentalmente, a favor da vida humana. Em todas as suas dimensões e com todas as suas consequências.

Mas não nos sentimos em condições de julgar… Apesar de acharmos que a lei deve dar um sinal claro à sociedade sobre o que acha certo e errado. E o aborto é errado, na nossa opinião.
Por isso concordamos com uma solução que não coloque as mulheres na cadeia, mas que não dê um sinal liberalizador ao recurso "Aborto".

Devemos por isso aprofundar todos os meios para consagrar a vida. Devemos falar verdade. Devemos dizer aos jovens que se tiverem relações sexuais podem vir a ter filhos. Mesmo com contracepção. Esta é eficaz, mas nunca a 100%.

O sexo deixou de ser considerado “reprodutivo” e passou a ter apenas a dimensão do prazer. Uma e outra são falsas. Mas ambas são verdadeiras. E isso parece estar esquecido hoje em dia.

Ter filhos é considerado, na nossa sociedade, um luxo e uma chatice. São caros, barulhentos e não trazem vantagens à sua “qualidade de vida”. Pensam eles...Mas estão enganados...

Para ter filhos é preciso ter esperança no futuro. E hoje são poucos os que, entre nós, a têm. E ainda menos os que querem ter um compromisso para a vida. Dá muito trabalho e despesa. Este é o ponto em que nos encontramos.

É verdade que hoje o aborto é um contra-senso. A contracepção é difundida, não o suficiente, sabemos, mas existe e está disponível. Ao Estado, cabe hoje, apoiar o nascimento de mais crianças. E não promover o seu contrário.

Não queremos, por isso, dar mais publicidade a este assunto. Falar sobre o Referendo ao "Aborto", ou como lhe queiramos chamar, é, no nosso entender, uma inutilidade e um dispêndio de energia sem sentido.

Boa temporada.

7 comentários:

Anónimo disse...

Concordo parcialmente contigo apenas discordando na "não existencia de referendo"! Quanto a mim deverá existir, apesar de também achar que os referendos não poderão estar a ser repetidamente "repetidos" só porque um dos sectores não gostou do resultado. Onde é que eu já vi isto? Ah...foi no referendo dinamarquês sobre o tratado de Maastrich, onde não conveio o primeiro resultado de NÃO. Mas onde iamos? Sim...o referendo.
Também concordo que despenalizar o "aborto" é uma aberração. Nem discuto as causas ideológicas. Somente refiro que num país onde NADA se faz relativamente ao planeamento familiar, ao acesso inteligente, barato e fácil à contracepção e à educação sexual, resultante e uma sociedade que à conta de ser auto afirmar liberal nos valores, parece que treme quando se fala nisto, seria, sem dúvida, desejável que num país onde a txa de natalidade decresce de ano para ano, com uma população cada vez mais envelhecida, que se fomentasse e apoiasse a natalidade, permitindo às famílias e principalmenmte à mulher ter benefícios consideráveis para além do "tradicional" e patético abono de família!
Julgo que Portugal continua em muitas coisas e, também nesta, a funcionar negativamente ao contrário!

paulo pisco disse...

Estou de acordo contigo em tudo o argumentas. Acabas por não referir porque concordas com a realização deste "aborto", desculpa, referendo.

Anónimo disse...

Acabo por concordar com a realização deste referendo, simplesmente para depois não ter de ouvir falar mais dele, nem das teorias "abortivas"!
Com tanta coisa importante para fazer em Portugal, nomeadamente desenvolver o país criando produção e riqueza e, não fazendo administração simples, como os governos fazem, e ainda parece que a prioridade das prioridades são as salas de "chuto" e o "aborto"!

paulo pisco disse...

Pois é, mas em torno desses temas chamados "fracturantes" andamos todos distraidos.

Luís Marvão disse...

Paulo,

Concordo que uma questão desta natureza, que é necessaria/ da esfera íntima, não deve ser referendada, mas sim regulada em sede da assembleia.
Em tais casos, o referendo transforma-se num instrumento de tirania; das maiorias sobre as minorias, o que é particular/ verdade em caso de vitória do "não".
O que está aqui em causa é a despenalização da interrupção voluntária da gravidez num período razoável, normal/ até às dez semanas (nalguns países, esse limite é estendido até às doze).
Podemos considerar moral/ condenável o comportamento de quem aborta, mas isso não significa que o nosso juízo moral tenha de ser vertido para a lei penal.
O que está em jogo é saber se a mulher que aborta deve ser criminal/ penalizada. E se é por essa via que fazemos recuar o fenómeno do aborto.
Eu penso que a posição de um liberal (independent/ do seu juízo moral) é a de respeito pela esfera individual de decisão (que por mais voltas que dêmos é a da mulher que decide ou não ter um filho). Bem, mas eu até sou mais socialista do que liberal (só que os liberais portugueses, e da blogosfera em particular, são neste domínio muito pouco liberais; fala mais alto o substrato católico).
E não, Paulo, a lei quando existe é para ser aplicada, e não para dar sinais à sociedade (esse é mal de há muito diagnosticado).
P.S. Podemos ter o sistema de planeamento familiar mais perfeito deste mundo, com cidadãos responsáveis e esclarecidos, que ainda assim não erradicaremos (não tenhas ilusões) a prática do aborto; apenas podemos reduzir a sua incidência a uma expressão mínima.

paulo pisco disse...

Luís somos daqueles que não têm qualquer ilusão, ou sequer desejo, de vir a ter um mundo perfeito. É por isso obvio que não acredito que, seja qual for a solução legal, que o aborto irá acabar.

Só gostaria que me respondesses ao seguinte e no seguimento do teu raciocinio. Uma mulher que seja apanhada na prática do aborto com 11 semanas é presa?

Os julgamentos a temos assistido recentemente na sociedade portuguesa, ao que sei, são sempre de situações em que o tempo de gravidez é bem superior ao das dez semanas e esses tem servido para animar a "causa".

Um abraço.

Luís Marvão disse...

Paulo,

Essa é, desculpa-me, uma questão mera/ retórica, muito invocada pelos defensores do “não”. Se o limite fosse estabelecido até às 12 semanas, então invocariam o caso particular da mulher que abortou às doze semanas e um dia... Não nos leva a parte nenhuma.
Um vez mais, não estamos no domínio das soluções ideais, a prática do aborto será sempre um dilema moral (que se coloca antes de mais ao indivíduo, pois é da sua esfera de decisão, à qual o Estado não deve sobrepor-se). Quando se fala em dez semanas (estou a citar de cor o Albino Aroso, pai do planeamento familiar no nosso país e uma figura que eu sei que te é familiar), referimo-nos ao período em que ainda não está formado o sistema nervoso central, muito embora não saibamos determinar o momento exacto em que este se forma, pois a vida é acima de tudo “um processo”. As dez ou as dozes semanas são os limites normal/ aceites pela comunidade científica na generalidade dos países europeus (as excepções somos nós, a Irlanda e a Polónia).
É evidente que toda esta argumentação cai por terra, se considerarmos a vida (desde a concepção) como um valor absoluto, quase imbuído de carga metafísica. Mas sabemos que as coisas não são bem assim, na dura realidade da vida somos obrigados a fazer escolhas nem sempre fáceis. Se atribuímos ao embrião ou ao feto personalidade jurídica da pessoa humana, como decidir da vida e da morte no caso de uma gravidez que implique sério risco para a vida da mulher? Quem deve viver em tais circunstâncias?
Voltando atrás, a questão dos prazos ou limites não é solução perfeita, mas neste domínio nós não temos que inventar a roda. Existem países que têm, há quase trinta anos implementada a legislação que agora nos preparamos para referendar, e não consta que eles tenham sido confrontados com tantas excepções (mulheres a abortar fora do prazo estabelecido) a ponto de equacionarem a revogação das leis então aprovadas. Já te interrogaste por que razão a prática do aborto, dentro dos limites estabelecidos, deixou na generalidade destes países de ser questão política? Nenhuma formação partidária se tem atrevido a levar a questão ao parlamento ou a desencadear movimentos de vocação referendária. E muitos destes países têm passado por maiorias de direita (às vezes em coligação com formações políticas de extrema direita, como é o caso da Holanda). Sinal de sociedades amadurecidas?