Hoje o artigo de Rui Ramos (RR), no Público, merece 20 valores. Entre os vários aspectos a que refere destacamos um, que nos parece muito revelador do actual caldo político e social e até cultural. Passamos a citar:
«No entanto, durante a semana passada em Lisboa, o movimento na bolsa da indignação cívica oficial foi discreto. No Diário de Notícias, Fernanda Câncio reparou: "Se em vez da 'atribuição' de casas estivéssemos a falar de envelopes de papel pardo com notas lá dentro, estaria já tudo aos gritos, a começar por Sá Fernandes e Helena Roseta, esses indomáveis campeões antinegociatas". Com efeito, não ouvimos as habituais sirenes dos justiceiros de serviço. Terá sido apenas porque as casas não cabem em envelopes? Talvez haja outra razão: é que este era um caso que só envolvia boas consciências, daquelas onde nada pesa, como na Lua. Foram aliás estas consciências - reflectidas, como observou Pedro Norton (Visão), numa "ingenuidade argumentativa à prova de réplica" - que mais surpreenderam os comentadores. São de facto a chave do caso.»
RR refere que esta chave reside no “perfil moral apropriado” dos arrendatários e em “não criar regras ou regulamentos” pois sem estes, não existe ilegalidade sobre este procedimento.
Pois nós acrescentaríamos que esta situação de favor é muito geracional, apesar de não ser um exclusivo desta. Passamos a explicar:
«No entanto, durante a semana passada em Lisboa, o movimento na bolsa da indignação cívica oficial foi discreto. No Diário de Notícias, Fernanda Câncio reparou: "Se em vez da 'atribuição' de casas estivéssemos a falar de envelopes de papel pardo com notas lá dentro, estaria já tudo aos gritos, a começar por Sá Fernandes e Helena Roseta, esses indomáveis campeões antinegociatas". Com efeito, não ouvimos as habituais sirenes dos justiceiros de serviço. Terá sido apenas porque as casas não cabem em envelopes? Talvez haja outra razão: é que este era um caso que só envolvia boas consciências, daquelas onde nada pesa, como na Lua. Foram aliás estas consciências - reflectidas, como observou Pedro Norton (Visão), numa "ingenuidade argumentativa à prova de réplica" - que mais surpreenderam os comentadores. São de facto a chave do caso.»
RR refere que esta chave reside no “perfil moral apropriado” dos arrendatários e em “não criar regras ou regulamentos” pois sem estes, não existe ilegalidade sobre este procedimento.
Pois nós acrescentaríamos que esta situação de favor é muito geracional, apesar de não ser um exclusivo desta. Passamos a explicar:
Com a transição do regime as “chefias” do Estado Novo, foram saneadas. Quem ocupou o seu lugar foi a “Geração 25”, como a vamos chamar. Esta, ou estava na faculdade, ou estava ligada (ou ligou-se à pressa), de alguma forma, a sectores da esquerda, quando o 25 de Abril ocorreu e o PREC se instalou. Andava entre os vinte e os trinta e poucos anos de idade. Eram, na sua maioria filhos da classe média. Os mais enérgicos queriam mudar o mundo. Muitos não fizeram praticamente nada para se licenciarem, foram passados administrativamente. Outros viram-se catapultados para profissões ou lugares que nunca pensaram ter, mas que as novas necessidades produzidas pela “construção” do Estado Social, ainda incipiente, e as Nacionalizações, permitiram. Tudo foi fácil. Para quem tinha a postura certa, o “estômago” necessário e a ausência de espinha dorsal, foi ainda mais. Não mudaram o mundo mas mudaram de vida. É obvio que esta “Geração 25” não abrangeu o País todo, mas marcou bastante a classe média que vive na orbita do Estado.
Esta geração percebeu que através da “cunha” certa tudo se conseguia. O conhecimento e a competência para os cargos pouco interessavam. Bastava ser um amigalhaço. E para quem tinha ambições, capacidade de fingir que sabia mandar e mexer os “cordelinhos” certos, para a ocasião certa, estava safo. O importante era parecer. Parecer saber, parecer fazer, parecer …qualquer coisa. Mostrar estatuto. E assim se foram construindo carreiras que, noutras circunstâncias históricas e em espaços geográficos distintos, teriam sido impossíveis.
Primeiro patrocinada pela esquerda e depois pelo bloco central, (a partir dos anos 80), esta geração lá foi fazendo a vidinha. Os fundos estruturais da Comunidade Europeia ajudaram a manter a festa. Esta malta sendo fraterna, não gosta que os seus passem dificuldades, tal como não gosta de os ver demasiado bem. Por isso todos os que cortaram ou nunca participaram nesta “gamela” são gente olhada, por estes, de soslaio. Cavaco Silva, na política e Belmiro de Azevedo, nos negócios, são, talvez os mais destacados exemplos do tipo “outsider” a que nos referimos. A “Geração 25” não gosta deles. Actualmente toleram-nos, com dificuldade mas não gostam deles, são demasiado livres e pouco “comprometidos”. Imprevisíveis, portanto.
Actualmente é esta geração que ainda se mantém no poder. Alguma dela “evolui” para a direita, mesmo se esta evolução, só se reflectiu na passagem para o mundo dos “negócios”. O que em Portugal quer dizer negócios a partir do Estado ou com o Estado. De preferência nas empresas públicas. Mas outros ficaram na esquerda. E estes ganharam, uns pelos outros, o respeito pela coerência “moral”. Mas esta última, como sabemos, não enche o estômago a ninguém. Não custa nada, pois, dar uma “ajudinha” quando estes estão em dificuldades.
Portanto viver de favor, como é o caso das “casas da câmara” é absolutamente aceitável para os “justiceiros” do costume. Até porque muitos dos beneficiados são artistas ou jornalistas, pasme-se. E a este “artistas” tudo parece ser permitido. São, por definição, “necessitados” por não se terem “vendido” ao capitalismo, mantendo-se por isso, nesta condição eternamente. Mesmo quando, entretanto, se tornaram altos funcionários da Administração Pública, ou gente bem sucedida nas suas actividades. Mas como não se tornaram livres e descomprometidos, continuando na “gamela”, tudo lhes é perdoado. Fazem parte da malta e a malta não gosta de ver os seus a viver mal. Hoje por ti amanhã por mim, pensam.
Poderão dizer que tudo isto que imputamos à “Geração 25” já vinha detrás. É verdade. Mas nunca antes foi assumido como “normal”, ou mesmo, como modo de vida. Podem, também, dizer que muitas das práticas continuam nas gerações mais novas. É verdade, mas nenhuma outra geração viveu, ou viverá, tanto tempo, neste contexto de facilidade. Até porque com as transformações estruturais que estão a ocorrer, esse mundo está a mudar. O dinheiro que pagou isto está a acabar.
Esta geração percebeu que através da “cunha” certa tudo se conseguia. O conhecimento e a competência para os cargos pouco interessavam. Bastava ser um amigalhaço. E para quem tinha ambições, capacidade de fingir que sabia mandar e mexer os “cordelinhos” certos, para a ocasião certa, estava safo. O importante era parecer. Parecer saber, parecer fazer, parecer …qualquer coisa. Mostrar estatuto. E assim se foram construindo carreiras que, noutras circunstâncias históricas e em espaços geográficos distintos, teriam sido impossíveis.
Primeiro patrocinada pela esquerda e depois pelo bloco central, (a partir dos anos 80), esta geração lá foi fazendo a vidinha. Os fundos estruturais da Comunidade Europeia ajudaram a manter a festa. Esta malta sendo fraterna, não gosta que os seus passem dificuldades, tal como não gosta de os ver demasiado bem. Por isso todos os que cortaram ou nunca participaram nesta “gamela” são gente olhada, por estes, de soslaio. Cavaco Silva, na política e Belmiro de Azevedo, nos negócios, são, talvez os mais destacados exemplos do tipo “outsider” a que nos referimos. A “Geração 25” não gosta deles. Actualmente toleram-nos, com dificuldade mas não gostam deles, são demasiado livres e pouco “comprometidos”. Imprevisíveis, portanto.
Actualmente é esta geração que ainda se mantém no poder. Alguma dela “evolui” para a direita, mesmo se esta evolução, só se reflectiu na passagem para o mundo dos “negócios”. O que em Portugal quer dizer negócios a partir do Estado ou com o Estado. De preferência nas empresas públicas. Mas outros ficaram na esquerda. E estes ganharam, uns pelos outros, o respeito pela coerência “moral”. Mas esta última, como sabemos, não enche o estômago a ninguém. Não custa nada, pois, dar uma “ajudinha” quando estes estão em dificuldades.
Portanto viver de favor, como é o caso das “casas da câmara” é absolutamente aceitável para os “justiceiros” do costume. Até porque muitos dos beneficiados são artistas ou jornalistas, pasme-se. E a este “artistas” tudo parece ser permitido. São, por definição, “necessitados” por não se terem “vendido” ao capitalismo, mantendo-se por isso, nesta condição eternamente. Mesmo quando, entretanto, se tornaram altos funcionários da Administração Pública, ou gente bem sucedida nas suas actividades. Mas como não se tornaram livres e descomprometidos, continuando na “gamela”, tudo lhes é perdoado. Fazem parte da malta e a malta não gosta de ver os seus a viver mal. Hoje por ti amanhã por mim, pensam.
Poderão dizer que tudo isto que imputamos à “Geração 25” já vinha detrás. É verdade. Mas nunca antes foi assumido como “normal”, ou mesmo, como modo de vida. Podem, também, dizer que muitas das práticas continuam nas gerações mais novas. É verdade, mas nenhuma outra geração viveu, ou viverá, tanto tempo, neste contexto de facilidade. Até porque com as transformações estruturais que estão a ocorrer, esse mundo está a mudar. O dinheiro que pagou isto está a acabar.
1 comentário:
Excelente análise. Sobrescrevo-a totalmente!
Aos anos que combato essa "geração 25"!
Até que enfim que alguns já começam a abrir os olhos!
Rui Silva
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