O Estado resolveu, no início deste ano lectivo, rever a Acção Social Escolar (ASE). Aumentou o número de pessoas abrangidas e as verbas para aquisição de livros e material escolar. A verba mais significativa vai para a aquisição dos manuais (entre 100 e 140 euros no escalão A e metade para o B). De acordo com informações do Ministério da Educação (ME), as famílias mais necessitadas (escalão A), com filhos entre o 5º e o 7º ano, vão conseguir, com este apoio, comprar a totalidade dos livros, com excepção dos referentes às disciplinas de: Educação Física, Educação Visual e Tecnológica e Educação.
Tornar os livros acessíveis aos alunos das famílias carenciadas é um princípio que ninguém contesta. Mas tornar estes “gratuitos”, parece-nos que, sendo uma medida bem intencionada, não resolve o problema a que se propõe e mantém outros, gastando mais dinheiro. Passamos a explicar:
Com esta iniciativa nem todos os alunos de famílias carenciadas vão ter acesso aos livros escolares. Como sabemos muitas das famílias não recebem apoio, por estarem acima do rendimento considerado elegível, ou não o recebem na sua totalidade (escalão B). Mas mesmo recebendo escalão A, existe um conjunto de livros que não podem ser adquiridos, como o próprio ME reconhece. No entanto, se o dinheiro agora gasto pela ASE em livros, este ano e nos próximos, fosse transferido para as escolas (e não para os alunos “carenciados”) tudo poderia ser diferente. As escolas compravam os manuais adoptados para uso geral e, em poucos anos, com os mesmos recursos, conseguia-se por os livros acessíveis à totalidade dos alunos fossem, ou não, de famílias carenciadas. Ao associar a aquisição do livro ao aluno, esta medida, repete a despesa, ano após ano, pelo número de alunos abrangidos, enquanto se for gerida pela escola, não seria assim.
Em países mais “ricos” que o nosso, os alunos usam os livros da escola (e.g. Reino Unido). Em Portugal, País com pouco dinheiro, quer ao nível do Estado quer das Famílias, parece-nos este custo um desperdício de recursos inaceitável. Um aluno gasta, todos os anos, cerca de 150 euros (média) em livros escolares. Imaginem só o que poderiam fazer com este dinheiro, as famílias ou o Estado, se o pudessem canalizar para outras necessidades.
O modo displicente como se encara o livro escolar em Portugal é difícil de aceitar. É quase um imposto, mas do qual poucos reclamam. Os livros são em grande número e, na sua maioria, não são reutilizáveis, tendendo a aumentar, pois, quase todos, têm livros de “exercícios” complementares. Ao estarem feitos para neles se escrever, inviabilizam na prática, o seu uso por outros. Até entre irmãos se torna difícil reutilizá-los. Só as editoras parecem ganhar com este negócio. Todos os outros ficam a perder. Por muito que gostemos de livros e de ter editoras fortes, este sistema acaba por se tornar num subsidio encapotado a este sector, não só por parte do Estado mas de todos os cidadãos. Como se tratam de livros escolares as “elites” do País parecem não considerar tudo isto sem sentido e de duvidosa utilidade. Esta medida não contribui em nada para a correcção deste desperdício, antes pelo contrário, agrava-o. O Estado, deixa de ser apenas o regulador, para se tornar, com esta medida, no seu maior “cliente”.
Ao tornar o livro “gratuito” o Estado dá ainda outro mau sinal. Esta medida não ajuda a melhorar a relação dos alunos abrangidos com os livros escolares, antes pelo contrário. Suspeitamos que se vão encontrar mais livros perdidos nas escolas do que já é habitual. Todos sabemos, pela experiência, própria ou alheia que, hoje em dia, ao que é dado, infelizmente, não se dá grande valor. É natural que sendo os livros oferecidos aos alunos sem qualquer esforço (próprio ou das famílias) ou controle (por parte da escola, ou dos professores), estes não cheguem, na sua maioria, ao final do ano lectivo. Valia a pena fazer esta “avaliação” para aferir o efectivo alcance desta ideia.
Esta medida vai ainda prolongar outro problema que também tarda em ser resolvido. Fruto de um número verdadeiramente impressionante de disciplinas e áreas não disciplinares, existentes no ensino básico, os alunos têm de carregar, todos os dias, um peso desmedido nas suas costas, dentro das suas mochilas, prejudicando a saúde e a qualidade de vida dos alunos. Não passando a “tutela” dos livros para a escola esta situação vai-se prolongar no tempo. Dando à escola a verba para adquirir e “gerir” os livros, como propusemos atrás, este problema teria fim. Para casa só iam os cadernos. Só excepcionalmente, os alunos, levariam algum livro requisitado tornando o seu percurso bem mais agradável e saudável. Com acontece em outros países.
Por tudo o que atrás explicámos consideramos a “oferta” de livros escolares aos alunos errada. Provoca despesa, sem tornar o livro escolar acessível a todos (nem aos mais necessitados) e ajuda a manter ou prolongar maus hábitos. As medidas devem-se aferir pela sua eficácia e não pela sua bondade. Oferecer pode não ser o melhor caminho. O desejável é tornar o acesso aos livros escolares possível a todos. O acesso não implica uma aquisição individual mas a possibilidade do seu usufruto pelo maior número. Essa oferta é que está certa.
No entanto, esta parece ser só a primeira de muitas. Um novo computador já está a caminho. Irá, ao que se sabe, também ser oferecido a um grande número. O que atrás dissemos relativamente aos livros, aplica-se, também, neste caso. Esta tecnologia exige conhecimento específico para ser manuseada e acresce, relativamente aos livros, uma assistência especializada para se conservar. A ser verdade, corremos o risco de ver, nas ruas das nossas cidades, muito “Magalhães” a navegar sozinho.
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