segunda-feira, dezembro 4

Reflexões sobre algumas "vacas sagradas" da educação




Em 1995 fomos à “inspecção”. As “sortes” como se chamava no tempo dos nossos avós. Já com 24 anos. Por sermos estudantes, foi-se adiando. Foi no Quartel da Ajuda e constituiu uma experiência única, a muitos níveis, pois nunca chegamos a passar pela “tropa”. Para além de termos percebido que os óculos passariam a fazer parte da nossa indumentária quotidiana - umas letras que não conseguimos descortinar no exame oftalmológico assim o previram – outros aspectos ficaram na memória. Uns sobre a instituição militar e seu modo de funcionamento “in loco” e outros sobre a realidade sociológica do nosso país.

Sim, pode-se aprender muito num único dia. Nesse dia, já depois de almoço, mandaram juntar todos os “mancebos” na mesma sala para o visionamento de um filme. Quando os “universitários” chegaram já a sala estava composta de “gaiatos”. Na nossa santa ingenuidade perguntámos qual o motivo da separação. Ao que nos responderam “serem rapazes com 9º ano incompleto ou menos de escolaridade". Gelámos. Como seria possível verificar, pela amostra do dia, mais de metade da população portuguesa masculina não possuía, em 1995, o 9ºano completo.

Esta foi a minha primeira experiência “estatística” com esta realidade. Depois dessa já tivemos outras, por força dos estudos que desenvolvemos, mas hoje voltámos a sentir uma sensação equivalente. A propósito de um estudo realizado pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa divulgado hoje, pelo Jornal de Noticias, sobre “A condição juvenil portuguesa na viragem do milénio” soubemos que existem, hoje (2005), no nosso país:


35% dos jovens abandonam estudos sem o 9.º ano;
34% de chumbos no Secundário;
50% dos empregados (15-29 anos) não têm a escolaridade mínima obrigatória.

A frieza dos números revela que muita coisa não vai bem. Não só na escola, nos professores ou nas politicas educativas. Mas na forma como a “nação”, no seu todo, encara a sua educação.

Após vinte anos (1986) da passagem da escolaridade obrigatória para o 9ºano continuamos com 35% dos jovens sem o concluírem. Esta realidade põe em causa muitas das “vacas sagradas” da nossa educação e ensino nos últimos anos, das quais destacamos:

1. Criou-se a ideia que a “facilitação” do ensino poderia conduzir a um maior sucesso (menos chumbos) o que evitaria o abandono escolar dos “menos capazes” ou dos “mais desfavorecidos” e por essa via aumentava as habilitações do país;

2. Pensou-se que a democratização da escola e a gratuitidade do ensino fariam, juntamente com o aumento da escolaridade obrigatória, corrigir, por si só, o nosso atraso estrutural nas escolarização dos portugueses (comparativamente aos nossos parceiros europeus).

3. A cobertura, de todo o território nacional, com equipamentos de ensino (escola à porta de casa), acabaria com o abandono escolar.

Nada disto se verificou como se pensava. Antes pelo contrário.
Não queremos com isto dizer que o aumento da escolaridade obrigatória não tenha sido positivo. Foi. Aliás, historicamente, deve-se ao seu aumento a melhoria, ainda que relativa, das habilitações dos portugueses. Mas não chega. A cobertura do território com equipamentos de educação e ensino, também ajudaram mas não resolveram.

No entanto, a “facilitação” parece não ter trazido mais que a degradação do sistema e o seu nivelamento "por baixo", sem corrigir as desigualdades, antes acentuando-as. Num sistema em que se aprende mal, os que aprendem menos são os que mais dependem do sistema para aprender. Os outros aprendem em casa, na explicação ou pela simples persistência das famílias em os manterem no sistema. Todos os outros mais tarde ou mais cedo abandonam. Pelos vistos 35% actualmente.
E pasme-se 50% dos empregados (15-29 anos) não têm a escolaridade mínima obrigatória. Tudo moços e moças nascidos depois de 1974 e já com escolaridade obrigatória de 9ºAno. 50% é metade dos jovens com este escalão etário.

E anda parte do país a protestar contra as aulas de substituição, quando em todos os países civilizados isso é prática corrente. Mera obrigação de serviço que é suposto prestar pela escola. Ter aulas, quando está previsto. O mais impressionante é que alguns pais alinham no protesto dos alunos, seus filhos. O mau serviço parece ter-se tornado a normalidade, como foi referido num Editorial do Público (30.11.2006) desta semana onde Manuel Teixeira escrevia o seguinte:

“Na semana passada, uma frase proferida por uma dirigente da Federação Regional de Associação de Pais dos distritos do Porto e de Vila Real revelou com crueldade o estado de sítio da educação. Com centenas de adolescentes a protestar em frente às escolas contra as aulas de substituição, o que disse Rosa Novo, secretária da federação? Pois que os alunos têm razão, que "as aulas de substituição não deviam ser obrigatórias", que os jovens do secundário têm idade suficiente para decidir o que fazer nos "furos". A declaração, diluída no coro de exigências, queixumes e protestos que, justa e injustamente, se continuam a lançar aos professores é em si própria um programa. Mostra-nos até que ponto grande parte da sociedade portuguesa está aí para minar e comprometer toda e qualquer reforma de fundo na educação.”




Não pensamos ser esta a realidade de todos os pais, mas a falta de “investimento” na educação começa na família, ou na falta dela. Estendendo-se a toda a sociedade, desde o tecido empresarial ao jovem licenciado, continuando a ver o “canudo”, mais como uma forma de status, do que uma maneira de estar melhor preparado para “aprender” uma profissão e enfrentar o futuro.

Sobre a qualidade do ensino ministrado existe uma pergunta que convém responder. Aceitando que o nosso sistema de ensino não é dos melhores, porque é que os filhos dos emigrantes de “leste” (na sua maioria) se tornam melhores alunos a Português (não falando de outras disciplinas), poucos anos depois de cá estarem, que os filhos da terra, apesar do sistema não ser bom? Que peso terá o empenho da família na escola? Vale a pena tentar perceber, pois a teoria da superioridade (ou inferioridade) da raça já está desacreditada há muitos anos.

“Mas pagar a educação, quando ela já é tão cara?” perguntarão alguns. Pois é? Mas seria uma forma, numa sociedade que só valoriza o dinheiro, de tornar as famílias mais exigentes e participativas nos assuntos da educação. Seguindo o principio de que “quem paga merece ter um bom serviço”. Isto porque muitas famílias estão dispostas a fazer esforços para comprar um carro novo - para não falar da casa – mas não estão na disposição de gastar um cêntimo na educação dos filhos, ou na sua própria formação. Esta é uma atitude cultural que urge mudar.



Mas o que pagam as famílias na educação (ao nível do ensino básico). Fundamentalmente o transporte e os livros. Ao transporte é difícil escapar. Mas nos livros gasta-se pelo menos 150 euros, por ano. Sem hipótese de utilização no ano seguinte. Seremos ricos?

Sabiam que no Reino Unido (país pobre???) as famílias não compram os livros no ensino básico. Os livros estão na escola. Nas salas. E são utilizados em aula pelos alunos que ai se encontram, deixando-os lá, quando saem, para serem utilizados pelos da próxima turma naquela sala. Poupa-se dinheiro e peso nas costas dos alunos. Mas em Portugal paga-se os livros – e aceita-se sem protestar – porque se paga a privados (editoras) mas não se aceita pagar propinas porque é ao Estado (escola). Para um país pobre não está mal. Está péssimo.
Aceitamos o desperdício anual sem retorno em livros que só servem para usar um ano e não aceitamos o investimento na escola pública que fica para as próximas gerações. Assim se gasta o dinheiro de um país “pobre” porque os países “ricos” preferem gastar melhor.

É por tudo isto necessário começar a investir na educação e passar a ver o Estado como um parceiro e não como uma instituição para “sacar” e talvez daqui a uns anos todos estejamos melhor. E investimento não é desperdício é exigência e vontade de aprender.

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