domingo, janeiro 14

O PERFUME



O Perfume, de Patrick Suskind, foi um livro que lemos no primeiro ano da Faculdade em 1990. Como sugestão de uma colega que, então estava obcecada pelos cheiros. Ficamos tão impressionados com a descrição que não resistimos a lê-lo. É livro para se ler de um trago. Recordamos ter faltado a umas aulas para conseguir ler as ultimas paginas, no velho “Canteiro” café restaurante, onde quase vivíamos, ali ao lado da Belas Artes ao Chiado, tal era o entusiasmo.

Não vamos aqui reflectir sobre as diferenças e dificuldades de transpor um grande livro para cinema. Quase todos ficam menores. As imagens oferecem-nos tudo, ou quase, a literatura faz do leitor um construtor. E a nossa imaginação tem uma capacidade de produzir infinitamente superior à realidade.


Rachel Hurd-Wood




No entanto, este filme surpreende. O realizador joga o jogo do escritor. Mas como o cinema não tem cheiro ele tenta transformar a imagem em odor. Assim como Suskind faz com as palavras. Também estas não têm cheiro. Mas que nós somos transportados para o mundo do olfacto, é um facto.Este universo do cheiro está afastado da nossa cultura ocidental. Tentamos por todos os meios anulá-lo. Basta visitar países “do terceiro mundo” – ai aquela Medina de Fez - para perceber o que estou a dizer. Assim a história transporta-nos para a fétida Paris do século XVIII, onde a imundice era geral, mas a sofisticação do gosto “barroco” já promovia a emoção pelos sentidos até pelo nariz. Jean-Baptiste Grenouille, totalmente inodoro, vem ao mundo na podridão de um mercado. Nasce no meio de uma peixaria. A mãe abandona-o à morte, mas ele acaba sendo resgatado, enquanto a jovem mãe desnaturada é condenada a decapitação. E assim acontece sempre que alguém que trata dele, o larga.

Criado num orfanato, é desde sempre, um sobrevivente que "vê" o mundo pelo olfacto. Passa por todos os estádios da genialidade, sem conhecer o amor ou a moral. Só se alimenta da sua obsessão. Descobre, então, que o mais sublime dos aromas está em algumas mulheres. Particularmente as ruivas mais deslumbrantemente belas. E, a partir de então pretende apenas conseguir “guardar” esse aroma, capaz de gerar as mas profundas alterações da alma. Para produzir o melhor perfume mata as mulheres que vão permitir executar a sua criação. Acaba condenado, mas o perfume produzido, salva-o, mais uma vez, levando todos os que assistiam à sua condenação: primeiro a venerá-lo, depois ao êxtase e por fim à luxúria colectiva. Ao assistir a tudo isto, Grenouille, arrepende-se das mortes efectuadas, ganhando a consciência, mas esta só surge depois da sua criação final. Por fim entrega-se à morte, despejando a essência do perfume sobre si no lugar onde nasceu – eterno retorno – sendo devorado pelos seus mais miseráveis conterrâneos. A criação, a culpa e a rendenção sempre lado a lado.

Filme a não perder a quem tenha os sentidos abertos!!!
O Perfume (Perfume: The Story of a Murderer, Alemanha/França/Espanha, 2006), 2h27. Drama. Direção de Tom Tykwer,
Com Ben Whishaw, Dustin Hoffmann, Rachel Hurd-Wood e Alan Rickman.

1 comentário:

O Nome da Rosa disse...

eu vi esse filme e também adorei. Adorei tanto que escrevi sobre ele no blog. Óbvio sem os detalhes que você colocou. Eu não sou cinéfile. Adorei o seu texto.